Passada a euforia das festas de final de ano, é preciso retomar o debate sobre um ponto nevrálgico, que nos ameaça de forma contundente e vai refletir sobre a vida do cidadão, do país. Com a moeda aquecida, as importações de bens industrializados ficam mais baratas, o país recorre a esses produtos, abandona os nacionais e passa a sofrer todas as dores da chamada desindustrialização.
Esse processo vem correndo solto. É uma doença insidiosa e traiçoeira, que fecha fábricas, destrói vagas e impede o crescimento do parque industrial. Um dos resultados nefastos está no saldo de 500 mil vagas de emprego perdidas na indústria nos últimos anos por causa de problemas como desequilíbrio do câmbio, falta de incentivo ao desenvolvimento tecnológico e dificuldades no custo de produção em decorrência da elevada quantidade de impostos e dos gargalos da infraestrutura.
Recorrer a alguns estudos subsidia o entendimento do que vem ocorrendo. Em 2010, um documento interno produzido pelo MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) revelou que a indústria brasileira estaria perdendo espaço na economia do país.
Concomitantemente, autoridades governamentais se manifestaram, dizendo que se tratava apenas de prognósticos e análises para debate entre os técnicos daquele Ministério, não representando uma posição oficial do Governo.
Sob o título Desindustrialização, Reprimarização e Contas Externas, estudo feito por técnicos do ministério apontava que a fatia da indústria no PIB (Produto Interno Bruto) caíra de 30,1% em 2004 para apenas 25,4% em 2010.
O presidente da Abimaq (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos), Luiz Aubert Neto, também alerta para a queda da participação das exportações do faturamento do setor, de 34% em 2005 para 23% neste ano, de janeiro a abril. As importações setoriais também superaram as exportações desde 2004 e o déficit na balança comercial do setor industrial já acumula U$S 50,3 bilhões.
Já o IBRE (Instituto Brasileiro de Economia), da Fundação Getulio Vargas, em carta intitulada A Desindustrialização Brasileira em Debate, argumenta que o segundo setor da economia brasileira estaria enfrentando um momento de desindustrialização, ara o qual muitos economistas frequentemente vêm chamando atenção em suas análises.
Os principais motivos geradores dessa desconfiança, segundo o IBRE, estão na valorização do real, na crise financeira mundial e no que chama de efeito China, em referência à aposta do país asiático nos países emergentes e ao específico caso da concorrência, por vezes desleal, de seus produtos manufaturados com os nossos.
O volume de exportações brasileiras para os EUA, nosso principal destino externo para manufaturados, foi no ano retrasado 36% inferior ao período anterior à crise iniciada em 2008. Nossas exportações para Japão e Europa também ainda não retornaram aos patamares pré-crise.
Por fim, estamos cansados de ouvir conceitos como desindustrialização à brasileira, caracterizada pelo esvaziamento tecnológico das cadeias produtivas. É um conceito que surge a partir do recente e peculiar perfil de desenvolvimento econômico adotado pelo Brasil, que induz à transferência de fábricas do Brasil para outros países, com permanência de parte da produção no país, porém apenas nas fases finais.
A consequência disto é que a indústria nacional deixa de atuar justamente nas etapas produtivas que mais concentram e demandam capacitação tecnológica. Os elos posicionados no meio da cadeia encolhem ou são perdidos e quem está na ponta se dedica a procedimentos industriais mínimos. A doença brasileira está na perda de conteúdo tecnológico, efeito colateral da enxurrada de dólares vinda na forma de capital especulativo e da venda de commodities agrícolas, atualmente supervalorizadas no mercado internacional. Pesam ainda todos os entraves à competitividade que compõem o Custo Brasil, como a alta carga tributária, péssima infraestrutura e elevados custos de produção, além de fortes encargos para a contratação de mão de obra qualificada. Com estes dados, estamos assistindo, no Brasil, a uma longa marcha de regresso ao passado primário importador dos tempos pré-Volta Redonda, que coloca nossa indústria na UTI, num estado delicado, sem a atenção devida do governo, que prefere fazer de conta que nada está acontecendo.
Antonio Carlos Mendes Thame é professor (licenciado) do Departamento de Economia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e Deputado Federal (PSDB/SP). Foi Prefeito de Piracicaba e Secretário Estadual de Recursos Hídricos. É presidente do PSDB Piracicaba e Líder da Minoria na Câmara Federal.