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A crise do agronegócio

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No primeiro trimestre de 2005, o PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro cresceu 0,3%. Apesar de ter sido aquém das expectativas da equipe econômica do Governo Federal, só não foi negativo graças ao desempenho da agricultura, que, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), registrou expansão de 2,6%, no mesmo período.
Ironicamente, o setor que alimenta o PIB brasileiro é o mesmo que reclama, protesta e vive uma crise. Os produtores exigem do Governo a liberação de recursos para financiar o custeio da próxima safra, renegociação de dívidas contraídas para o financiamento da última, bem como a redução dos juros praticados.

Considerando-se que a agricultura é uma atividade de risco, não só pelas incertezas dos fatores climáticos,mas também por circunstâncias de mercado (preços achatados por excesso de oferta); considerando-se o profissionalismo do agronegócio brasileiro, que tem atingido elevados índices de produtividade, graças à utilização de tecnologia de ponta; considerando-se, ainda, que as últimas três safras foram altamente rentáveis, com diversos recordes de produção, tem-se a impressão de que os protestos dos produtores (acampados há dias no centro de Sinop) tratam-se meramente de queixas infundadas de quem está apenas lucrando menos do que em anos anteriores.
De fato, freqüentemente os produtores são alvos de críticas tais como: “….estão em crise, mas continuam comprando caminhonetes novas”, ou “…quando o comércio, indústria ou setor de serviços está em crise, não pedem socorro ao Governo”.
Para averiguar se os protestos dos produtores são legítimos, analisemos os números da última safra, com ênfase nas culturas do arroz e soja, por tratarem-se de culturas típicas de nossa região:

ARROZ COMPARATIVO DE ÁREA, PRODUTIVIDADE E PRODUÇÃO SAFRAS 2003/2004 E 2004/2005 REGIÃO/UF ÁREA (Em mil ha) PRODUTIVIDADE (Em kg/ha) PRODUÇÃO (Em mil t) Safra 03/04 Safra 04/05 VAR % Safra 03/04 Safra 04/05 VAR % Safra 03/04 Safra 04/05 VAR % Norte 593,00 671,60 13,3 2.244 2.369 5,6 1.330,50 1.590,90 19,6 Nordeste 777,00 799,50 2,9 1.504 1.512 0,5 1.168,30 1.208,90 3,5 Sudeste 136,10 149,80 10,1 2.476 2.542 2,7 337,00 380,80 13,0 Sul 1.255,90 1.269,90 1,1 5.953 5.730 -3,7 7.476,10 7.276,20 -2,7 Centro-Oeste 892,40 965,80 8,2 2.821 2.838 0,6 2.517,50 2.741,00 8,9 MT 657,60 729,60 8,0 2.860 2.870 0,3 1.932,20 2.094,00 8,4 BRASIL 3.654,40 3.856,60 5,5 3.511 3.422 -2,5 12.829,40 13.197,80 2,9 Fonte: CONAB – Levantamento Abr/2005 / Adaptado pelo autor.

Os dados primários da tabela acima foram extraídos da edição de maio/2005 da revista Indicadores da Agropecuária, editada mensalmente pela CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento). Note-se que a região Sul é a única que apresenta redução de produção em relação à safra 2003/2004. De fato, as condições climáticas no período de dezembro a meados de março foram de estiagem no Estado do Rio Grande do Sul, provocando quebras na produtividade do arroz. As chuvas retornaram a partir de março, atingindo índices acima da média histórica no mês de abril, prejudicando os trabalhos de colheita do cereal e afetando a qualidade do grão.

Na região Sul, a safra foi reduzida em 2,7%, o que representa 200 mil toneladas ou 3,3 milhões de sacas de 60kg. A um preço de R$ 21,00 a saca, o tamanho do prejuízo dos produtores sulistas é de aproximadamente R$ 70 milhões, apenas com o arroz.

Já no Centro-Oeste, em particular no Estado de Mato Grosso, onde as condições climáticas foram mais favoráveis, a produção aumentou em mais de 8%, superando a média nacional. Porém, os produtores da região foram sensivelmente prejudicados pelas mudanças nos critérios de classificação da variedade Cirad 141 (a mais plantada em MT), que passou de Longo Fino para Longo, representando uma redução de 50% no preço.

Ainda com base nos Indicadores da Agropecuária, da CONAB, os resultados para a cultura da soja foram os seguintes:
SOJA COMPARATIVO DE ÁREA, PRODUTIVIDADE E PRODUÇÃO SAFRAS 2003/2004 E 2004/2005 REGIÃO/UF ÁREA (Em mil ha) PRODUTIVIDADE (Em kg/ha) PRODUÇÃO (Em mil t) Safra 03/04 Safra 04/05 VAR % Safra 03/04 Safra 04/05 VAR % Safra 03/04 Safra 04/05 VAR % Norte 352,40 488,50 38,6 2.593 2.668 2,9 913,70 1.303,20 42,6 Nordeste 1.323,30 1.451,50 9,7 2.674 2.821 5,5 3.538,90 4.094,20 13,5 Sudeste 1.826,90 1.875,60 2,7 2.499 2.434 -0,6 4.474,40 4.565,90 2,0 Sul 8.213,90 8.512,40 3,6 1.979 1.443 -27,1 16.252,60 12.284,60 -24,4 Centro-Oeste 9.576,60 10.775,90 12,6 2.573 2.594 0,8 24.613,10 27.947,50 13,5 MT 5.148,80 6.024,10 17,0 2.915 2.810 -3,6 15.008,80 16.927,70 12,8 BRASIL 21.284,10 23.103,90 8,6 2.339 2.173 -7,1 49.792,70 50.195,40 0,8 Fonte: CONAB – Levantamento Abr/2005 / Adaptado pelo autor.
Note-se que, novamente, a única região que apresentou redução da produção é a região Sul, com –24,4%, o que representa (aproximadamente) 4 milhões de toneladas ou 66 milhões de sacas de 60kg. A um preço de R$ 25,50 (cotação Cuiabá, 16/06/2005), o prejuízo dos produtores sulistas atinge o significativo montante de aproximadamente R$ 1,7 bilhão.

Embora eventuais medidas de emergência possam ajudar a amenizar a crítica situação de produtores que perderam safras nos estados do Sul, a crise do agronegócio não se resume às questões climáticas. De um ano para cá, “o preço da soja caiu pela metade. Ao mesmo tempo, sementes, adubos e fertilizantes ficaram mais caros”, afirmam os produtores.

De fato, o setor de grãos enfrenta um momento crítico. Muitas commodities perderam valor no mercado internacional devido ao excesso de oferta. E, apesar do dólar baixo, sementes, defensivos e fertilizantes continuaram aumentando de preço. Por isso, muitos agricultores ainda não conseguiram pagar nem a metade dos empréstimos tomados para a última safra. E, a preocupação do segmento é de que a inadimplência pode resultar em redução da oferta de crédito e, conseqüentemente, em uma produção menor no ano que vem.

O quadro que segue, permite melhor visualizar o principal motivo das reclamações dos produtores:

RELAÇÕES DE TROCA (1) FERTILIZANTES (2) versus PRODUTOS SELECIONADOS
Período Dólar (3) Arroz Sequeiro (4) Soja (4)
(Saca 60kg) (Saca 60kg) abr/04 3,0996 22,9 17,2mai/04 3,1004 22,1 18,1 jun/04 3,1291 23,4 21,3 jul/04 3,0368 24,7 24,5 ago/04 3,0029 25,1 26,3 set/04 2,8911 25,8 25,2 out/04 2,8527 25,9 27,1 nov/04 2,786 27,3 29,5 dez/04 2,7182 29,6 30,4 jan/05 2,693 30,3 29,2 fev/05 2,5978 31,7 31,1 mar/05 2,7053 29,4 25,8 abr/05 2,5792 30,1 27,4 mai/05 2,4528    
(1) Indica a quantidade de sacas necessárias para se adquirir uma tonelada de fertilizante (2) Fertilizantes considerados: Arroz Sequeiro: 05-25-25Soja: 00-30-15(3) Média Mensal. Fonte: BACEN (4) Fonte: CONAB

Observe-se que, analisando as relações de troca (quantidade de sacas necessárias para a aquisição de uma tonelada de fertilizantes), as queixas dos produtores são justificadas. Em abril de 2004, eram necessárias 22,9 sacas de arroz para a compra de uma tonelada de fertilizante. Em abril deste ano, o produtor precisava de 30,1 sacas para a aquisição da mesma tonelada. Já no caso da soja, a relação se deteriorou ainda mais. Em abril de 2004, eram necessárias 17,2 sacas, contra 27,4 sacas (abr/2005) para comprar uma tonelada de fertilizante. De fato, os custos de produção mantém-se ascendentes enquanto que, por ocasião da comercialização, a categoria é prejudicada em função da valorização da nossa moeda em relação ao dólar.

A ilustração gráfica (base 100=abril/2004), que segue, permite melhor visualizar a deterioração das relações de troca entre tonelada de fertilizante frente aos produtos selecionados, bem como a variação cambial do período:
ÍNDICE DE RELAÇÃO DE TROCA – Quantidade de sacas de produto
necessárias para a aquisição do insumo – abr/2004 a abr/2005
EMBED Excel.Chart.8 s

Perceba-se que o dólar, indexador utilizado como referência dos preços internacionais, desvalorizou-se em 21% no período (abril 2004 a abril 2005). Por outro lado, o preço da tonelada de fertilizantes aumentou em 31,44% para o arroz de sequeiro, e 59,3% para a soja, no mesmo período.

A mesma depreciação é observada em outros insumos importantes para a agricultura. De acordo com o levantamento da CONAB (Indicadores da Agropecuária, Maio 2005, p. 51 e 52), em abril de 2004, o produtor precisava desfazer-se de 7.309 sacas (60kg) de arroz sequeiro para adquirir uma colheitadeira (potência considerada de 125cv). Em abril deste ano, eram necessárias 10.362 sacas para a compra da mesma colheitadeira. No caso da soja, em abril do ano passado eram necessárias 5.917 sacas para a compra da colheitadeira, enquanto que em abril passado 10.153 sacas de soja eram necessárias para a aquisição da máquina.
A análise destes dados evidencia a legitimidade das preocupações dos produtores. Com efeito, um setor que tem contribuído significativamente para o ingresso de divisas ao país, bem como para com o saldo positivo na Balança Comercial, deveria receber mais atenção dos condutores das políticas públicas da União.
Sinop, 18/06/2005

Paulo J. Körbes – Chefe do Departamento de Economia Unemat/Sinop
Mestre em Economia Industrial (UFSC/2000) e Chefe do Departamento de Economia da Unemat/Sinop.
[email protected]

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