A exemplo do que ocorreu na batalha contra a proibição do nepotismo, os desembargadores dos tribunais de justiça irão protelar ao máximo o corte nos supersalários deles próprios e de servidores, mas deverão ser derrotados quando o STF (Supremo Tribunal Federal) decidir a causa.
Por ora, eles relutam em cumprir a ordem do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) de desconto no salário de dezembro da verba que ultrapassa R$ 22.111, o limite previsto na Constituição para remuneração do Judiciário e do Ministério Público nos Estados.
A disputa poderá chegar ao plenário do STF no primeiro semestre de 2007. Os ministros tendem a reconhecer a necessidade de enquadramento dos magistrados ao sistema do teto salarial do funcionalismo. No exame de casos individuais, poderão abrir exceções.
Ministros ouvidos pela Folha disseram que não há sustentação jurídica para a pretensão dos desembargadores.
Além disso, há pressão dos governos federal e dos Estados pela contenção dos gastos públicos com pessoal. O STF não quer o ônus de ser responsabilizado por impedir o teto.
O argumento a favor dos altos salários é que eles estariam protegidos contra o corte por princípios constitucionais como direito adquirido e irredutibilidade salarial.
Os desembargadores apoiam-se principalmente em julgamento no qual o STF aceitou pagar a três ministros aposentados do próprio tribunal, ao longo de 2004, salário superior ao dos ministros ativos em razão de uma antiga lei que concedia aumento de 20% na entrada na aposentadoria.
Os ministros afirmam que somente os salários legalmente constituídos estariam livres da redução de valor e essa não seria a situação dos TJs (tribunais de justiça).
Para eles, a remuneração dos ex-ministros fora obtida de forma legítima, com base em leis. Já os integrantes dos TJs receberiam verbas não previstas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional, o que as tornaria irregulares.
A jurisprudência do tribunal também reconhece a validade do sistema de remuneração dos juízes, em que uma instância recebe 5% a menos que a superior. Por esse sistema, o teto equivale ao salário de ministros do STF, hoje de R$ 24.500, e os desembargadores devem receber até 90,25% desse valor, ou seja, R$ 22.111.
Conforme levantamento do CNJ, há 2.978 contracheques no Judiciário acima dos limites constitucionais, de R$ 24.500, na União, e de R$ 22.111, para os Estados.
O conselho não informou quantos desses contracheques são de juízes e desembargadores e qual é o universo de servidores. Sabe-se que a distorção está concentrada na Justiça dos Estados e estima-se que a maioria dos supersalários seja de desembargadores. Dos 27 TJs existentes, 19 pagam salários acima do limite.
A presidente do CNJ, ministra Ellen Gracie Northfleet, ordenou o corte no salário de dezembro, mas os desembargadores contestaram o estudo do conselho -disseram que irão examinar caso a caso e pediram prazo até janeiro.
Depois disso, se a resistência persistir, Ellen deverá reforçar a determinação do desconto. Os desembargadores poderão entrar no STF com mandado de segurança, individual ou coletivo, contra o CNJ.
Outra possibilidade é uma associação de classe propor ação para que o tribunal declare constitucional a iniciativa do conselho de limitação salarial.
Uma decisão do plenário do STF a favor do CNJ fortalecerá o seu papel de órgão de controle externo da Justiça. A primeira batalha dele foi a proibição do nepotismo, também avalizada pelo tribunal.
Decisões recentes do conselho, entretanto, mostram que ele tem cedido a pressões corporativas.
Nesta semana, o Supremo derrubou resolução que havia restabelecido as férias coletivas dos juízes, proibidas pela Constituição.