O projeto que torna a corrupção crime hediondo, que tramita em regime de urgência, está pronto para ser votado no plenário da Câmara dos Deputados, mas o texto não é consenso entre especialistas. A proposta chegou a ser discutida pela comissão de juristas que discutiu a atualização do Código Penal, mas foi rejeitada por 14 dos 15 juristas que participaram do grupo.
"Nós tratamos com mais clareza os crimes contra a administração pública, peculato, concussão, corrupção ativa, passiva, demos um tratamento mais adequado, mais claro. Criamos no anteprojeto o tipo penal do enriquecimento ilícito, que hoje todo mundo comenta, mas jamais pensamos em tratar crime contra a administração pública como crime hediondo", disse à Agência Brasil o ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp, que presidiu a comissão de juristas.
Para ele, a proposta que torna a corrupção crime hediondo é uma " lei de ocasião". Dipp lembrou que, quando um fato comove a sociedade, imediatamente o Congresso Nacional busca dar um resposta política ou popular, criando novas figuras penais ou endurecendo as penas, mas ressaltou que não é este o caminho. "Não é o tamanho da pena que inibe a prática do crime, e sim a certeza de que [o criminoso] vai ser punido, ou pelo menos, responder a um processo. A sensação de impunidade é que gera todos esses fatores de corrupção, de invasão dos cofres públicos."
Vencido na discussão o procurador da República Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, que foi relator da comissão de juristas, é a favor da proposta. Segundo ele, hediondo é aquilo que causa asco, nojo, repulsa, como um sequestro ou um estupro, e na evolução do país isso foi acontecendo com a corrupção. "Por isso, colocar [a corrupção] no hall dos crimes hediondos me pareceu uma coisa acertada", disse ele.
Gonçalves destacou que, ao longo do tempo, houve uma certa tolerância com esse tipo de crime, mas hoje a prática passou a ser inaceitável, como mostram os protestos das ruas. "O país é pobre , mas faz menos com dinheiro do que deveria."
Sobre a eficácia da proposta no combate à corrupção, Gonçalves é cauteloso, admitindo que o projeto é apenas "um passo para o o caminho certo". Para ele, a medida deve ser combinada com ações de transparência total nos gastos do Poder Público e que estimulem as denúncias à Justiça.
Aprovado no Senado no primeiro semestre deste ano, além de aumentar as penas e prever punições maiores para integrantes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário que cometerem o delito, o Projeto 5.900/13 acaba com a possibilidade de anistia, graça, indulto ou liberdade sob pagamento de fiança para os condenados. Pelo texto, também fica mais rigoroso o acesso a benefícios como livramento condicional e progressão de regime.
De acordo com a projeto, a pena para crimes desse tipo seria de quatro a 12 anos de reclusão e multa. Em todos os casos, a pena é aumentada em até um terço, se o crime for cometido por agente político ou ocupante de cargo efetivo de carreira de estado.
Além da proposta do Senado, mais oito matérias sobre o tema tramitam na Câmara e, por isso, a expectativa é que o projeto seja modificado. O deputado Fábio Trad (PMDB-MS), que foi relator, na Comissão de Constituição e Justiça, da proposta mais avançada na Casa, deve apresentar um texto substitutivo ao do Senado, aproveitando as principais sugestões de todos os projetos em tramitação.