“A lei de improbidade administrativa vai além da proteção ao patrimônio público, já que constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação promovida por agente público que atente contra os princípios da administração pública; máxima no caso de cometimento de ilícito penal no exercício da função”. Com esse entendimento, a Terceira Câmara Cível do Tribunal de Justiça acatou recurso interposto pelo Ministério Público Estadual e reformou decisão que julgara improcedente ação civil pública em desfavor de um oficial da Polícia Militar, acusado de prática de tortura contra dois adolescentes no município de Várzea Grande.
Com o acolhimento do recurso, o oficial PM foi condenado por improbidade administrativa concretizado pelo ilícito penal tipificado como prática de tortura pela Lei 9.455/97 (condenação penal) à perda da função pública; à suspensão de seus direitos políticos por cinco anos; ao pagamento de multa civil correspondente a um terço do valor da remuneração mensal que percebia durante o exercício de sua função como oficial militar; e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais e creditícios pelo prazo de três anos. O apelado fora condenado também ao pagamento das custas processuais.
Conforme o relatado nos autos, em novembro de 2004 policiais militares sob o comando do apelado, atenderam ocorrência de roubo em uma mercearia na Cohab São Gonçalo, em Várzea Grande e, após operação de busca e perseguição, prenderam dois adolescentes. Inicialmente, os jovens foram encaminhados a um mangueiral próximo, onde sofreram agressões para fornecerem informações sobre a existência de armas e comparsas. Contra os detidos foram desferidos socos, pontapés, golpes de pau e o uso de produto químico (querosene), resultando em várias lesões nos corpos e olhos dos menores.
Encerrada a sessão de tortura, os adolescentes foram levados à sede do 4º Batalhão da Policia Militar e, depois, enviados à Central de Flagrantes da Polícia Civil de Várzea Grande para elaboração do auto de apreensão. No local, o delegado de plantão, ao se deparar com o degradado estado físico dos acusados, exigiu o encaminhamento dos mesmos ao Pronto Socorro e requisitou exame de corpo de delito.
Na análise dos fatos, a relatora, juíza substituta de Segundo Grau, Marilsen Andrade Addário, enfatizou que o servidor público praticou ato de tortura contra os adolescentes detidos atentando contra os princípios da Administração Pública, sendo cabível a aplicação das sanções, visto que poderia evitá-lo, sobretudo diante de sua condição de comandante da operação. “Ao constranger os detidos com emprego de violência com intuito de obter confissão, o apelado violou os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, e os deveres de honestidade, imparcialidade e lealdade que devem prestar os agentes públicos”, asseverou a relatora.
Fundada em ampla jurisprudência, a magistrada consignou que o ato de improbidade administrativa é aquele praticado com falta de honradez e de retidão de conduta no modo de agir perante a Administração Pública direta, indireta ou fundacional, no âmbito dos três poderes. “Nesse contexto, é possível concluir que intensifica esse argumento o fato de o apelado ser o comandante da operação e integrante do quadro da Polícia Militar de Mato Grosso, órgão responsável pela segurança pública, fundada na defesa da ordem pública e conservação da integridade de pessoas e patrimônios”, pontificou a magistrada, conferindo maior gravidade ao ato ilícito por ter sido cometido contra adolescentes, cuja proteção e respeito encontram-se previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, na Declaração Universal dos Direitos da Criança e na Constituição Federal.
O voto da relatora foi acompanhado à unanimidade pela Terceira Câmara Cível, integrada também pelos desembargadores Rubens de Oliveira Santos Filho (revisor) e José Tadeu Cury (vogal).