A Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) rejeitou a indenização no valor de R$ 90 mil proposta pelo Governo de Mato Grosso à família de Henrique José Trindade, agricultor assassinado em 1982 por disputas de terras em Alto Paraguai (218 km de Cuiabá).
O julgamento ocorreu no ultimo sábado, em Washington, e o procurador geral do Estado, Dorgival Veras Carvalho, que apresentou a proposta, chegou ontem a Cuiabá.
Agora, o Estado terá de refazer a proposta para uma nova negociação com data ainda indeterminada, segundo o pastor Teobaldo Witter, um dos coordenadores do Centro de Direitos Humanos Henrique Trindade.
O centro foi o primeiro constituído em Mato Grosso e foi batizado com o nome do agricultor, como símbolo da luta por Justiça.
Esta foi a primeira vez que o Estado foi chamado a uma corte internacional para responder sobre atos de negligência aos Direitos Humanos.
"Essa situação pode complicar o Brasil caso não haja consenso, uma vez que o Judiciário será considerado incapaz de julgar crimes contra os Direitos Humanos", afirmou o pastor.
A Comissão não definiu nova data para negociação, segundo Witter, mas a partir de agora, ela se dará por meio da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, em Brasília.
Sem muitos detalhes ainda sobre o resultado, Witter acredita que um dos motivos para a rejeição da proposta tenha sido a falta de proposição de ações em benefício à comunidade de quase 5 mil pessoas que hoje está assentada no local.
"Tínhamos reivindicado, por exemplo, a construção de uma escola agrotécnica para capacitação dos assentados e não apenas a indenização dos familiares".
Além disso, o pastor considerou que o valor proposto pelo Estado de Mato Grosso foi baixo. A proposta contemplava ainda uma pensão vitalícia paga à viúva de Henrique Trindade, no valor de um salário mínimo. Ela tem hoje mais de 75 anos de idade. "Esperamos que o Estado tenha por bom senso a abertura de conciliação", afirmou o pastor.
A nova proposta deverá ser levada também à corte internacional, segundo ele.
O Estado foi chamado à responsabilidade por conta das falhas na condução das investigações e produção de provas, feitas pelo delegado Nelson Tocachique e dois policiais e da prescrição do crime, ocorrida em 2006.
Ao todo, seis réus não foram julgados e atualmente não são encontrados mais em seus domicílios originais.
Esse tipo de falha é considerada inadmissível em um Estado de Direito e, por isso, o caso de Henrique Trindade foi aceito pela OEA no mês de fevereiro de 1999. Atualmente existem pouco mais de 10 casos relacionados ao Brasil tramitando na corte internacional.
Antes do julgamento, o procurador Dorgival Veras Carvalho afirmou que o acordo tinha 99% de chances de ser aceito por representar um reconhecimento do erro do Estado e se tratar de uma situação comum no tribunal internacional. Uma possível condenação do Brasil implica em vários prejuízos, entre eles, a perda de credibilidade no mercado financeiro internacional.
O assassinato de Henrique Trindade ocorreu no dia 4 de setembro de 1982, por volta das 20h. Ele levou tiros no braço e teve um dos olhos arrancados. Seu corpo foi encontrado embaixo de uma árvore no sítio vizinho.
A esposa de Henrique estava grávida de oito meses na ocasião e um filho de 15 anos do casal levou um tiro na mão.
Consta na peça protocolada junto à OEA, que Henrique morava em terras que não eram próprias nem destinadas a nenhum uso público federal, estadual, municipal, muito menos pertenciam a algum proprietário. Ele vivia do cultivo agrícola da herança que possuía em Alto Paraguai.
Ele e outros posseiros da região vinham sendo ameaçados desde 1979 por um fazendeiro, Augusto José Costa, conhecido como Augusto Português por ser natural do país europeu, que também reivindicava a posse das terras, vizinhas à sua fazenda.
A reportagem entrou em contato com a Procuradoria Geral do Estado, durante toda a tarde de ontem, mas foi informada de que o procurador Dorgival Veras Carvalho estava em reunião e que se manifestaria somente hoje sobre o caso.