A juíza da Segunda Vara de Fazenda da Comarca de Rondonópolis, Maria Mazarelo Farias Pinto, condenou o Estado de Mato Grosso ao pagamento de R$ 25 mil, a título de danos morais, e R$ 167,27 de danos materiais a um cidadão que foi atingido por um disparo de arma de fogo durante apresentação pública da Polícia Militar. Na mesma decisão, a magistrada indeferiu o pedido de feitos indenizatórios a título de danos estéticos e lucros cessantes, bem como excluiu o município de Rondonópolis do polo passivo da ação.
O autor da ação, um policial militar, sustentou no processo que em 26 de maio de 2007, durante a realização do Mutirão da Cidadania na Escola Municipal Princesa Isabel, em Rondonópolis, foi realizada uma apresentação da Polícia Militar, organizada em conjunto pelo governo do Estado e o município de Rondonópolis. O evento contava com a presença de aproximadamente 500 pessoas e oferecia vários serviços à comunidade. Na ocasião a PM, durante uma simulação de resgate de um sequestro com refém, utilizou munição de verdade, em vez de balas de festim em uma das armas, o que acarretou ferimentos graves em diversos expectadores que estavam no local, além da morte de um garoto de 13 anos de idade.
Atingido no lado direito do seu rosto por um dos disparos, o autor afirmou que foi levado para o Hospital Regional, onde recebeu um curativo superficial que continuou a sangrar. Disse que ficou no corredor do hospital em cima de uma maca por várias horas e somente no período da tarde teria sido examinado por um médico que constatou a existência de estilhaços de chumbo em seu rosto. Reclamou ainda de ter ficado com sequelas físicas, já que seu ouvido do lado direito teria ficado com a audição prejudicada e com a sensação de que ‘tem água dentro”. Alegou ainda que quando olha fixamente para algum lugar ou está lendo ou escrevendo, sente como se toda a região onde foi atingido pelo disparo ‘esquentasse”, ficando com o olho ardendo e lacrimejando.
O autor aduziu ainda o aparecimento de problemas emocionais, pois acredita ser uma vítima da negligência, imprudência e descaso do Estado e do município. Para exemplificar, relatou o fato de que se sentiu humilhado e constrangido no Hospital Regional, dizendo que passou horas sem o devido atendimento e foi lançado à sorte, já que permaneceu apenas de cueca em uma maca localizada no corredor do hospital. Também relatou o fato de a renda familiar ter diminuído, já que sua esposa teria deixado de trabalhar para cuidar de sua saúde.
De acordo com a magistrada, apesar de o município de Rondonópolis participar da organização do evento, ele foi excluído do polo passivo, pois “restou sobejamente demonstrando no processo a responsabilidade exclusiva do Estado de Mato Grosso pelo desastroso evento ocorrido no Jardim das Flores”. A juíza afirmou ainda que “conforme já fartamente exposto, o município apenas convidou o Comando da Polícia Militar naquele evento denominado Mutirão da Cidadania. E, claro, nenhum dos seus agentes teve qualquer participação naquela operação militar, conforme detalhadamente narrado após as perícias e investigações dos órgãos competentes”.
Quanto à responsabilidade do Estado, a magistrada assinalou que esta reside exatamente no fato de que seus agentes, os policiais militares, não terem tomado as devidas cautelas durante a desastrosa e absurda simulação de resgate durante o mutirão. “Conforme ficou fartamente demonstrado, os policiais militares pertencentes ao Grupo de Operações Militares não tiveram nem treinamento, alguns sequer sabiam o que iriam fazer naquela trágica operação e, o que é mais incrível, não se cuidou para que fossem conferidas as munições existentes naquelas armas, tanto é verdade que cinco disparos foram atribuídos ao uso de munição letal, segundo confirmou o Instituto Nacional de Criminalística, do Departamento de Polícia Federal, conforme Laudo encartado nos autos sob nº. 2960/2007 – NC/DITEC/DPF”, ressaltou a magistrada.
A juíza Maria Mazarelo Farias Pinto pontuou ainda que o Estado deve ser responsabilizado justamente porque a atividade do policial militar é de grande risco e, claro, deve haver todo o aparato protetor para evitar lesões e morte de seus funcionários e também de pessoas inocentes. Assim, o ente público deve arcar com um risco natural decorrente de sua atividade, segundo a Teoria do Risco Administrativo, cujo fundamento está na própria Justiça Social, pois, no fim, os recursos que serão disponibilizados para o lesado sairão dos impostos pagos, numa contribuição da própria sociedade pelo risco da atividade estatal posta à disposição de todos.
Em relação ao dano moral, a magistrada explicou que há ações em que se verifica desnecessário provar o dano moral, dada a notória repercussão do fato lesivo, bastando apenas que haja prova do fato que acarretou a dor, o sofrimento. Entretanto, há casos em que somente a prova do fato não leva à presunção da ocorrência do dano moral, razão pela qual, nessas situações, é ônus da suposta vítima a comprovação da sua efetiva ocorrência. “Em meu sentir, o presente caso se enquadra na primeira hipótese, já que salta aos olhos o sofrimento do autor devido ao transtorno ocorrido”, assinalou a magistrada, ao fixar em R$ 25 mil o valor da indenização.