Mato Grosso investe cerca de R$ 2 mil por aluno anualmente, 29,8% menos que o gasto médio por estudante no Brasil, que é de R$ 2.850. O dado foi divulgado esta semana e aponta que os brasileiros aplicam 4 vezes menos em Educação que países como Alemanha, Austrália, Canadá e Chile, onde a média de investimentos na educação básica, por exemplo, está em torno de US$ 11.648 mil por estudante. Se os números mato-grossenses da pré-escola à Educação de Jovens e Adultos (EJA) forem comparados ao relatório divulgado a semana passada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a situação fica mais crítica, pois as aplicações per capitas são ainda mais baixas, chegam a R$ 1,10 mil.
O secretário de Estado de Educação, Ságuas Moraes, para chegar na média de “2 mil reais” fez a conta de cabeça, ao dividir os cerca de R$ 1,10 bilhão de recursos disponíveis no ano passado entre mais de 450 mil alunos de todos os níveis de ensino. Diz que não sabe qual a fórmula utilizada pela OCDE. Por se tratar de realidades diferentes, é provável ter que se utilizar mecanismos mais complexos para “medir” adequadamente, mas admite que é preciso mais recursos, algo que poderá ser obtido – tendo em vista um aceno do governo federal – a partir do Pré-sal. “Pelo que sei, temos o terceiro maior piso salarial de professor do Brasil, porém, é pouco se a gente levar em conta a carga horária, desgastes físico e mental. Na comparação com outras carreiras, é pouco estimulante e atrativo. Esta é uma realidade nacional que precisa ser mudada e que depende de mais recursos”.
As contas do gestor não são diferentes da tabela divulgada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que mostra uma estimava em relação ao ano passado, de investimento por estudante em torno de R$ 1,7 mil para crianças em período integral nas creches; R$ 1,5 mil a R$ 1,7 mil aos alunos do Ensino Fundamental das séries iniciais às finais. Nos três anos do Ensino Médio, os valores variam de R$ 1,8 mil a R$ 2 mil, sendo que este último profissionalizante. O EJA é o que recebe menos recursos, são R$ 1,10 mil por estudante, sendo que é um dos grandes “gargalos” do Estado, com índices de aprendizados medidos pelo Ministério da Educação (MEC) dos menores do país.
Escolas “saladas” – Ságuas explica que há 2 anos, entre o total de 700 unidades, existiam inúmeras “escolas saladas”, onde a variedade da modalidade de ensino tirava o foco e a vocação delas. A fragmentação era altamente prejudicial à aprendizagem. Faltava planejamento, o que afetava a gestão pedagógica, principalmente. Só que esta “problemática” passou a mudar a partir do ano passado, quando a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) começou a fazer o redimensionamento de toda rede. Talvez os índices das avaliações demorem um certo tempo para refletir as mudanças, mas o secretário aposta que esta ferramenta trará bons frutos. Outro calcanhar de aquiles parece que será minimamente resolvido. O MEC disponibilizou 15 mil vagas – nos próximos 4 anos – para a capacitação de professores que atuam em área diferente da formação. Se estudou matemática, não poderá mais dar aula de física ou química.
Mas ainda tem um porém: daqui a 7 anos pelo menos 50% dos professores concursados estarão aposentados. Conta que não é fácil de se administrar. Quem irá substituí-los? Eis a pergunta que o gestor tenta responder, afinal, cada vez menos pessoas buscam a profissão. Ainda que não seja a resposta para todos os males, o fato de praticamente todas as escolas terem sido reformadas parcialmente ou até totalmente colaboram para a melhora do ensino. “Estamos instalando laboratório de informática em 95% delas, equipando com biblioteca e quadra poliesportiva, não se pode negar os avanços, apesar de ainda serem pequenos diante do trajeto que vamos percorrer”.
Dinheiro mal aplicado – O economista gaúcho Gustavo Ioschpe, articulista nacional e vencedor do Prêmio Jabuti 2005 pelo livro “A ignorância custa um mundo” (Editora Francis), tem uma visão muito diferente da Educação brasileira. Para ele, dados como este, da OCDE, precisam ser vistos de modo completo, afinal, não faz sentido comparar “banana com maça”. Os 40 países mais ricos e desenvolvidos têm realidades muito diferentes, aí entra o poder de relativizar os números para que não haja deturpação, que é o que acontece quando a mídia divulga dados parciais e não relativizados. “Se formos comparar os investimentos baseados no PIB (Produto Interno Bruto), o Brasil tem aplicações equivalentes ou superiores a esses países, entre 4 a 5% do PIB, o problema é que o dinheiro é pessimamente aplicado, por incompetência de gestão e repetência dos alunos”.
Os vilões do desperdício e da má gestão, para ele, são as universidades públicas, por contarem na pirâmide de recursos com a fatia maior do bolo, inclusive. Nas demais esferas de ensino (Ensinos Básico e Médio), na realidade, os recursos do país são de 20% a 30% menores que dos países ricos, o que não é o fim do mundo. A administração das unidades escolares precisam de uma vez por todas sair do cunho político (cargos indicados) e das eleições (amiguinhos da comunidade) para a esfera administrativa. “Li um texto muito bom de Paulo Freire, em que ele dizia que era preciso ler a palavra para ler o mundo. Realmente, é impossível entender a complexidade do mundo se você não sabe ler. É impossível estudar filosofia se você não sabe ler. Eu particularmente ficaria muito contente se os nossos alunos saíssem do ensino médio ignorantes de filosofia e sociologia, mas conseguindo ler um texto e entendendo-o, mas será que é esta a preocupação dos nossos professores?”.
Analfabetos funcionais – No país, eles representam 72%. São pessoas que oficialmente passaram pelos bancos escolares e estariam habilidades para ler um texto e compreender, mas, na prática, é diferente. São analfabetos do sistema “equivocado” de ensino, como afirma o economista Gustavo Ioschpe, em que os educadores deixaram de cumprir a função básica de “ensinar o feijão com o arroz”. É que nas universidade, prioriza-se a a formação de professores que formem cidadãos conscientes, engajados. Não se formam mais educadores que saibam alfabetizar ou ensinar o aluno a fazer contas.
Espaços ociosos, salas com poucos alunos, aposentadorias diferenciadas, permissividade para licenças e faltas, professores que não sabem ensinar, conhecem pouco da própria disciplina e não conseguem prender a atenção dos alunos. “Não faz sentido achar que crianças saudáveis e que estão no ápice da curiosidade chegam na escola e não querem aprender, quando vivenciam uma fase de querem saber tudo, perguntar o tempo todo, realmente, o problema não é com ela, mas com o sistema e os professores”.
O que precisa ser feito para mudar isso? Ioschpe acredita que treinamento e qualificação de professores. Melhorar a qualidade principalmente nos primeiros anos da educação fundamental. “O Brasil tem índice de repetência de 32% na primeira série. É mais alto do que no Paraguai (14%) e na Indonésia (11%). Nos países desenvolvidos, esse número é de 3%. Isso significa que na primeira série do ensino fundamental está se condenando um terço da população brasileira ao atraso, à repetência e aos problemas de baixa autoestima”.
Escolas fazem “milagres” – O presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Ensino Público do Estado do Mato Grosso (Sintep-MT), Gilmar Soares Ferreira, diz que a falta de recursos afeta “sim” a qualidade do ensino. Discorda do economista em vários pontos, enfatiza que as escolas têm feito verdadeiros “milagres” com o pouco recurso que chega. Não se pode culpar os professores por todos os males que atingem a Educação. “Eles são psicólogos, assistentes sociais, por causa do salário se desdobram em até 3 jornadas, sinceramente, não acho que a análise deveria ser por este lado, claro, que é preciso melhorar, mas antes disso a gestão de Estados e municípios deveriam avançar, dar o exemplo”.
Ele diz que a maioria das cidades e o próprio Estado não investem os 25% previstos por lei e que mesmo diante de irregularidades graves, os órgãos competentes para a fiscalização não se baseiam em pareceres técnicos e sim “políticos”. A farra do recurso público envolve o pagamento de várias obras e profissionais de outras áreas na folha da Educação, porque é um recurso carimbado. “Pais e mães trabalham em regime de escravidão praticamente, acabam relegando o acompanhamento do aprendizado do filho e cobrança por melhorias na escola a um quinto lugar, quando deveria ser o primeiro, mas isso é uma realidade geral ou não é?”.
Relatório internacional – A publicação “Education at a Glance 2009” mostra uma tabela de correspondência entre níveis educacionais do sistema brasileiro com a classificação internacional padronizada da educação, definida pela Unesco/OSCDE/Eurostat (www.oecd.org/edu/eag2009). No quesito PIB, mostra que realmente os gastos brasileiros são até maiores ou equivalentes a dos países desenvolvidos. Na Educação Primária, está em 3,7% do PIB e 3,8% do PIB brasileiro. Entre 2000 e 2006, ainda houve um aumento de 57% do percentual dos gastos nesta área no país em todos os níveis combinados, na educação secundária, foi de 71%.