O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) se manifestou contrário à criação de uma tabela com os valores mínimos a serem cobrados pelo frete do transporte rodoviário de cargas. Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a autarquia sustenta que o tabelamento do frete limita a concorrência, prejudicando a sociedade e criando uma espécie de cartel no setor.
O Cade, que é vinculado ao Ministério da Justiça, também argumenta que o tabelamento infringe a ordem econômica, já tendo sido condenado em outros segmentos, como a prestação de serviços médicos.
Na avaliação do órgão, ao estipular um custo padrão mínimo para todo o serviço de frete, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (Antt) desconsidera as especificidades do setor, permitindo que todos os caminhoneiros autônomos e empresas que tenham custos inferiores ao determinado pela norma possam lucrar com a diferença.
Ao considerar as possíveis consequências da intervenção estatal na economia, o Cade lembra que diversos planos econômicos prevendo o tabelamento de preços e a intervenção direta dos mais variados tipos não foram capazes de reequilibrar fatos naturalmente dinâmicos. Segundo o Cade, esse “descompasso com a realidade pode causar sérios problemas de desabastecimento, em razão de sinalizações equivocadas”.
No caso específico do transporte de cargas, a autarquia aponta os riscos de que o estabelecimento de um preço mínimo reduza a liberdade contratual entre as partes e aumente os custos ao longo de toda a cadeia produtiva, sendo, ao fim, repassado ao consumidor final. Também há riscos de redução da competitividade e desistímulo à inovação concorrencial, com a consequente perda de qualidade dos serviços.
“Assim, o entendimento consolidado do Cade, estável em diversas composições de seu tribunal, é a de que o tabelamento de preço constitui uma infração à ordem econômica passível de condenação”, sustenta os autores do ofício, assinado pelo presidente da autarquia, Alexandre Barreto de Souza, além do superintendente-geral e do procurador-chefe do órgão.
O Cade também entende haver um risco real de que, se aprovada, a tabela gere um risco para os próprios caminhoneiros, seja ampliando o risco dos clientes optarem por assumir eles mesmos o transporte de cargas, seja por um grande número de caminhoneiros decidir não seguir a tabela, criando distorções dentro da própria categoria, com os cumpridores da norma perdendo em competitividade.
A manifestação do Cade é uma resposta ao pedido de informações feito pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, relator das ações que questionam a resolução da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que tabelou os preços mínimos de fretes para o transporte rodoviário. Na quinta-feira (14), Fux atendeu a uma solicitação da Advocacia-Geral da União (AGU) e determinou a suspensão de todas as 53 ações contestatórias até que o STF julgue as três ações de inconstitucionalidade protocoladas pela Associação do Transporte Rodoviário de Carga Do Brasil, Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
O tabelamento foi uma das reivindicações de caminhoneiros atendidas pelo governo federal, no fim do mês passado, para tentar pôr fim à paralisação que durou 11 dias e afetou diversos setores da economia. Desde então, o governo já editou duas tabelas de frete. A primeira foi publicada no Diário Oficial da União de dia 30 de maio e vigorou até 7 de junho, quando foi editada a segunda versão da tabela. Esta, no entanto, permaneceu válida por apenas algumas horas, já que, na prática, acabou sendo suspensa pela ANTT no mesmo dia.
As duas primeiras tabelas são alvos da disputa de interesses entre caminhoneiros e representantes do setor produtivo. De um lado, donos de transportadoras rodoviárias e caminhoneiros autônomos se queixam de que os valores atualmente pagos pelo frete mal cobrem os custos das viagens, como combustível, pedágio, alimentação e manutenção do veículo. De outro lado, empresários de outros segmentos, principalmente o agropecuário, alegam que o estabelecimento de um valor mínimo para o frete limita a concorrência e aumenta os custos de transporte de cargas.
A primeira versão contemplava os interesses dos caminhoneiros ainda em greve, estabelecendo um valor mínimo de frete a partir do qual os autônomos pudessem negociar com as empresas transportadoras o valor dos serviços. Já a segunda versão, ao reduzir o valor do frete, agradou mais ao setor produtivo.