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Tocar um tango argentino

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Rodrigo Janot, nos seus 10 últimos dias como Procurador-Geral e na última sessão como Presidente do Conselho Federal do Ministério Publico, confessou que fizera o anúncio de véspera não por coragem, mas por medo de errar. Ele se referia à revelação, descoberta pela Polícia Federal em gravações telefônicas, de que seu auxiliar, o procurador Marcelo Miller, já orientava a JBS nos acordos de leniência e delação premiada, mesmo antes de se retirar para trabalhar no escritório que negociou esses instrumentos. Com isso, confirmou a ilação de Temer, de que Marcelo Miller saíra da PGR para ganhar um dinheirão e costurar o acordo com a empresa dos irmãos Batista. Janot deve ter tido medo de ser acusado de omissão pela nova equipe da Procuradoria-Geral, que assume dia 18. Fica melhor ter coragem de revelar tudo agora, enquanto é o chefe.
    
Marcelo Miller teria cometido o crime de improbidade, e isso seria descoberto mais cedo ou mais tarde. E Janot o de omissão, se deixasse o cargo sem denunciar isso. Ou foi ingênuo e agiu de boa-fé, o que é pecado para quem tem que ser um cético guardião da lei. O anúncio de Janot preveniu o que iria aparecer mais tarde, na administração de Raquel Dodge. Acordos de leniência e de colaboração premiada viciados, pelo jeito. E homologados pelo relator Ministro Fachin. Deixou mal o relator. Imagino Temer, lá na China, depois de declarar que recebe tudo “com serenidade”, subindo para o quarto do hotel, fechando-se no banheiro e dando barrigadas de tanto rir.
    
Fico imaginando o prejuízo causado ao país por esse apressado acordo de delação, movido pelo desejo de atirar flechas enquanto houver bambu. Em maio, quando a economia se recuperava, sado-masoquistas chamaram o Joesley e os números do PIB desandaram, assim como a confiança dos investidores. Agora se recupera de novo, de modo mais firme, com a bolsa, a queda de juros, os valores ainda decimais do PIB, a recuperação do emprego e a atlética balança comercial, mesmo sob a ameaça de mais flechas. Mas a corda do arco de Janot ficou frouxa e dificilmente suas flechas terão força nesses derradeiros dias.  Quem paga o prejuízo econômico e do emprego, por atrapalhar a recuperação? E daqui a pouco ainda saberemos a real história da mala de Rocha Loures: para que existiu?
  
Por falar em mala, a Polícia Federal descobriu num apartamento usado por Geddel Vieira Lima em Salvador, um depósito de dinheiro que parece a sala de banho do Tio Patinhas. Sete malas e seis caixas de papelão abarrotados com notas de cem e cinquenta reais que, segundo a polícia, vieram dos tempos em que Geddel fora vice-presidente da Caixa Econômica Federal. Com todas essas tristes surpresas diárias, fico comparando o Brasil com o enfermo Manuel Bandeira, em seu poema Pneumotórax”:

O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

 

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