quinta-feira, 28/março/2024
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Poupança e desconfiança

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Depois de muito boato circulando na internet – ela é o refúgio dos fracos de espírito – o governo anunciou novidades na poupança, como taxar o rendimento do que ultrapassar a 50 mil reais e diminuir o imposto da aplicação em renda fixa, para desestimular uma migração para a poupança. Muita gente discordou, mostrando que o limite a ser taxado deveria ser de 500 mil por CPF, já que abaixo disso, não faz sentido imaginar que atrairia grandes aplicadores financeiros. Quando os boatos circularam nessa senhora mentirosa, falsa e de língua ferina, chamada internet, muita gente acreditou que haveria algum tipo de congelamento da poupança – afinal, se Collor e Zélia foram capazes disso e o Congresso aprovou, nada mais se poderia duvidar.

Pois o pior não aconteceu, mas mostrou como andamos desconfiados, mesmo com uma instituição que deveria ser preservada a qualquer preço, que é a poupança. Afinal, não se violou a conta do caseiro Francenildo na Caixa Econômica, só porque três jornalistas desconfiavam que era o PSDB e não o pai biológico que haviam feito um depósito de 30 mil na conta da testemunha que havia visto o Ministro Palocci entrar na casa de encontros? Se por um telefonema de um assessor do Ministro foi possível violar uma conta de poupança, como confiar?

Tenho uma caderneta de poupança da Caixa Econômica Federal. Foi aberta em 5 de novembro de 1946, por meu avô, dias antes do meu aniversário. Meu avô decidira que o neto, quando se formasse, poderia ter um capital inicial com a poupança que ele ia acumulando, a cada ano, com depósitos feitos no meu aniversário. Em 16 de novembro de 1949 eu já estava com duzentos e sessenta e cinco cruzeiros. Naquela época, meu pai pagava de aluguel por uma casa de três quartos, 50 cruzeiros. Meu avô morreu e minha caderneta na Caixa ficou como um símbolo da poupança. Eu nunca quis fazer retiradas, a menos que estivesse necessitado, um dia. Esse dia, felizmente, nunca chegou. Imaginei que estivesse a ganhar juros e correção monetária. Anos atrás, fiz um cálculo por cima e imaginei que tivesse, em reais de hoje, no mínimo 50 mil. Aí, fui à Caixa, com a minha caderneta, para saber o saldo.

Eles pediram uns dias e depois me mandaram um fax, em dezembro de 1996, informando que aplicadas as leis tais e tais, o meu saldo, em 1º de outubro de 1996 era de R$2,16. Sabem o que aconteceu? Os governos foram roubando a poupança do menino; foram furtando os presentes anuais do avô. Foram cortando zeros do dinheiro e desvalorizando, sem dar à poupança a menor proteção, sem respeitar a instituição da poupança, na qual se baseia todo o país que queira ter força própria para crescer, sem precisar de capitais ou empréstimos externos. Meu avô era guarda-livros, exímio contador, guardião das leis; foi meu professor de cidadania. Pelo menos a morte o privou de ter essa dupla tristeza: a de ver furtarem a poupança do netinho e a de ver o país que ele amou não respeitar a poupança. Não me culpem se não confio.

 

 

 

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