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Ponte modelo

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Alexandre Garcia

Todos vimos as imagens da ponte de ferro sendo levada pelas águas do Rio das Antas, em 4 de setembro. No último sábado, 138 dias depois, a ponte estava de novo ligando os municípios de Farroupilha e Nova Roma do Sul. A ponte havia sido aberta em 4 de outubro de 1930, um dia depois do início da revolução que levou Getúlio Vargas ao Poder. Agora ela mostra a vontade férrea de gaúchos da região, que não esperaram pelo governo. O governo não tinha data para pôr a ponte no lugar, mas orçava 22 milhões para as obras. E prometia uma ponte nova, em outro lugar, por 51 milhões. A população recuperou a ponte e a melhorou por 5,6 milhões. Dinheiro de doações de empresas, rifas, eventos beneficentes e PIX. A força da população somou 8,6 milhões de reais. Sobraram quase 3 milhões para decidirem como vão aproveitar o saldo.

A inauguração foi festiva, com discursos, música, comes e bebes, benção do padre. Imagino se algum ministro ou o governador fosse lá, a vaia que haveria. Representando a Associação de Amigos de Nova Roma do Sul, que tem 200 participantes, um orador que fez a prestação de contas, lembrou que a ponte será um repositório dos valores humanos da região, um monumento à força dos que fazem a nação, a despeito de o estado, que cobra impostos, estar ausente. Lembrou aqueles que na noite de Natal trabalhavam na montagem da ponte, dos aposentados que compraram rifas, de todos os que se sentiam responsáveis pela ponte e depositaram seu PIX. Houve leilão para saber quem passaria primeiro pela ponte. Com lance de 14 mil reais, ganhou a Associação dos Amigos de Pinto Bandeira, que atravessou a ponte gloriosamente empurrando uma Rural Willys. 

A ponte lança compreensão sobre dois entes:  a nação e o estado. A nação é origem do poder; o estado existe para servi-la. No Brasil, águas turvas levaram a ponte que deveria ligar os dois. O estado age com vida própria, mas a vida verdadeira está na nação, como demonstrou o povo do Vale das Antas. O que o povo arrecada é em troca de bens e serviços, em relações voluntárias. O que o estado arrecada é pela coerção – e deveria ser para a prestação de bons serviços de justiça, segurança, ensino, saneamento básico, saúde e infraestrutura – como pontes.  No estado, todos são servidores do público, inclusive os que representam pelo voto a fonte do poder. Não deveria haver privilégios, mais férias, melhores aposentadorias, penduricalhos; não poderia haver uma casta. Não poderiam ser diferentes dos que pagam impostos em tudo que compram e nomeiam seus representantes pelo voto. Mas há uma ponte derrubada.

Há dois anos, também no Rio Grande do Sul, 170 agricultores mobilizaram suas máquinas e em oito dias construíram, como voluntários, uma extensão da pista do aeroporto de Santo Ângelo, que levaria cinco meses para o estado fazer – e a alto custo. Os governos vão alegar demora nas licitações. Mas o que consome tanto dinheiro dos nossos impostos? Por que a mesma obra, tocada por particulares, custa uma quarta parte? Por que empreiteiras têm necessidade de abrir departamento de propina? Por que há queixas de 5% ou 10% desviados das emendas? Lá no palco improvisado na cabeceira da ponte, projetaram ao final da inauguração o estribilho do Hino Rio-Grandense que diz: “Sirvam nossas façanhas/de modelo a toda terra”.

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