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Olhe para dentro

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Alexandre Garcia

Estimulado pelos que viram, também tratei de assistir ao Don’t Look Up, na Netflix. Um filme que virou o último assunto político do ano, com opiniões opostas vendo a obra como uma crítica ao outro lado. Pois é uma sátira que mexe com todos, com o que expomos, na pandemia, na disputa eleitoral e em outras controvérsias, não apenas nos Estados Unidos, mas também por aqui – como revelamos nas polêmicas em torno da obra nas redes sociais. Vejo muita semelhança – e até alguma inspiração – com outra sátira, de outro período, o da Guerra Fria, feita por Stanley Kubrick, com Peter Sellers fazendo três personagens: Doctor Strangelove ou Como Deixei de me Preocupar e Aprendi a Amar a Bomba.

Na sátira de 1964 e na de hoje, estão retratados a presidência dos Estados Unidos, a ciência, radicalismos, militares; em ambos os filmes, o fim é trágico para a humanidade. Ambos são tragicomédias, pois o ridículo dos personagens os expõe ao riso. Na comédia da Roma antiga, ridendo castigat … critica-se rindo dos que querem nos conduzir. Em ambos os filmes, elencos reforçam o roteiro. Em Doctor Strangelove, além de Peter Sellers, George C. Scott e Sterling Hayden. Em Não Olhe para Cima, Meryl Streep, como Presidente dos Estados Unidos, Cate Blanchett, como bela e fútil apresentadora de TV,  Leonardo Di Caprio, o astrônomo que calculou o impacto do cometa na Terra e Jennifer Lawrence, a estagiária que descobriu o cometa.

Um pesquisador médico amigo meu se sentiu retratado no filme com a estagiária. Imagino o quanto se sentiu retratado quando o FBI  sequestra e cobre com capuz os cientistas que insistiam na tese do choque com a terra. Equivale às censuras reais contra quem traz teses diferentes dos dogmas adotados. O filme satiriza o feminismo, retratando uma presidente com defeitos iguais aos piores demagogos; faz o mesmo com cientistas que viraram gurus. O do filme está muito parecido com o Dr. Fauci (o do Dr Strangelove ficava numa cadeira de rodas), ou com o empreendedorismo de Elon Musk ou Bill Gates. A média televisiva é pela superficialidade dos dois apresentadores, a loira e o negro – mas há um negro realista, diretor da NASA. O jornal escrito é poupado no início, depois abandona a busca da verdade. O radicalismo separa namorados e até famílias, como mostra o filme.

A presidente enfim ouve o astrônomo e concorda em mandar uma expedição para explodir o cometa. Escolhe um herói para o sacrifício – com as mesmas caraterísticas do piloto caubói que atingiu Moscou montado numa bomba H, do filme de 1964. O astrônomo Di Caprio muda de lado, apoia a presidente demagoga, abandona a mulher e os filhos e se torna amante da apresentadora egoísta. Mas a cobiça de um empreendedor Big Tech convence a presidente a cancelar a missão, porque o cometa é muito valioso em minerais e ele e suas geringonças espaciais vão apenas fragmentá-lo. Vão aproveitá-lo para dar “riqueza e trabalho para todos”. A missão fracassa e a presidente manda o povo olhar para baixo, para não ver a realidade que se aproxima. Há uma alegoria de última ceia na família para onde volta o astrônomo, em que o único capaz de fazer uma oração final é um jovem de rua. Não vou falar no fim. E preciso ver o filme outra vez, para descobrir mais sátira em cada detalhe. Mas já senti que Don’t Look Up nos faz olhar para dentro e em volta, para ficarmos mais atentos sobre em que estamos metidos e por quê.

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