O advogado mineiro Bruno Miarelli e a noiva dele, Juliana, só souberam que não estavam no vôo 447 da Air France, na festa de casamento, em Belo Horizonte. A agente de viagem estava entre os convidados, e comunicou aos noivos que os havia posto num vôo anterior para garantir, em Paris, a conexão para Roma. Bruno reclamou. "Você está estragando nossa noite de núpcias. Vamos ter que acordar cedo para ir para o Rio." Só souberam do acidente quando acordaram em Roma e viram no celular dele nove chamadas da mãe preocupada. Nesse fim-de-semana, voltaram de Roma, se sentindo mais vivos do que nunca.
Outro casal, Johana e Kurt Ganthaler, também deixou de embarcar no AirBus. Os dois chegaram atrasados ao Galeão e o vôo 447 já estava fechado. Foram embarcados no vôo seguinte e saíram nos jornais como salvos do desastre. Em Paris, alugaram um carro e foram passear na Áustria. O carro saiu da estrada numa ultrapassagem e bateu em uma árvore. Johana morreu e Kurt está em estado grave. Ela ganhou 12 dias de vida.
São 11 horas e 13 minutos da noite de domingo, 31 de maio. Na primeira classe, o passageiro brasileiro está tomando champanhe – sim, champanhe, porque é francesa. Já havia lido o cardápio do jantar. Lagosta. A aeromoça, bela e simpática, servia queijos – sim, também franceses. Ele pensa no que vai fazer em Paris, durante a semana. A moça ao lado puxa conversa: "Tudo bem?". E ele responde, com a mais convicta sinceridade: "Que mais eu poderia querer da vida?". Aí ele vê um relâmpago, pela janela. Depois o avião sacode e há um estrondo.
Conto essas histórias para fazer pensar sobre a relatividade da vida. Alguns vão levantar teorias de "estava escrito"(maktub); outros dirão que é o destino, que ninguém foge da sorte já traçada. Que cada um tem a sua hora; que nada adianta fazer. Provoco essas teorias para contestá-las. Ora, se já está escrito, se o destino tem marcada a nossa morte, então de nada valem nossos cuidados com a alimentação; não adianta fazer exercício físico; podemos beber à vontade; dirigir em alta velocidade sem revisar sequer os freios do carro. Quem sabe decidimos saltar de um penhasco para testar se voamos? Talvez não esteja escrito que aquela é a nossa hora. E afinal quem escreve esse nosso destino? Será que alguém decide matar alguns e salvar outros? Seria um grande jogo, com quase 7 bilhões de personagens, cuja vontade própria e cujo livre-arbítrio existem apenas para ampliar as emoções do jogador? Será que esse tal senhor Destino se compraz com isso? Com as perdas, os sofrimentos?
Obviamente essas hipóteses são inverossímeis. Não há causas para isso. Não somos marionetes. Mas podemos nos precaver. Acreditar que estamos nas mãos do Destino é acreditar que somos cordeirinhos, andando para a matança certa, mais cedo ou mais tarde, em diferentes circunstâncias. Como não é assim, vamos tomar cuidado e evitar esse "acaso". Na cidade, fique de olho, por exemplo, ao atravessar a rua ou à aproximação de alguém suspeito, que pode estar com um revólver engatilhado, pronto para assaltar você. Quer se matar aos poucos? Fume, entupa-se de álcool e gorduras. Vai doer muito. Quer tentar a morte ou uma mutilação? Aperte fundo o acelerador; não revise seu carro. Mas se quiser mais vida, com qualidade, não provoque o acaso. Que pode aparecer, num relâmpago.