Não sei o que é pior: se a naturalidade com que os corruptos negociam as propinas ou se o fingimento dos políticos fazendo-se de surpresos com o que o Fantástico mostrou domingo. O Ministro do Tribunal de Contas da União, José Jorge, com a experiência de ter sido secretário de estado(em Pernambuco), Senador, Ministro de Minas e Energia, não teve dúvidas, quando lhe perguntei, no Bom Dia Brasil, sobre a corrupção filmada no Hospital Universitário do Rio de Janeiro: "Essa é a regra; não é a exceção."
E não é de agora. Há 25 anos, a dona de uma grande indústria de móveis de Brasília, contou-me estar enojada das negociatas com o governo. Pediam a ela que entrasse em concorrências de cartas marcadas, apenas para perder, com preços exorbitantes. "Queriam que eu desse o preço de uma mesa de reuniões como se ela fosse folheada a ouro." Há uns cinco anos, o embaixador de um país asiático me contou que deixou de lado um grande negócio com o governo, porque pediram 20% de comissão. "Se eu pagasse a propina, corria o risco de receber pena de morte em meu país."
Pena de morte num país da Ásia, pena nenhuma neste país tropical. Os corruptos, gravados pela reportagem do Fantástico, não tinham preocupação alguma. "É normal." – disse um. "A gente está acostumado com isso" – esclareceu outro. "O mercado pratica 10%" – explicou outro, sem fechar a oferta de propina, que poderia subir para 15 ou 20%. Ontem, um comerciante me contou que anos atrás recebeu uma proposta de preço baixíssimo para ganhar concorrência de fornecimento de formulários contínuos. Estava abaixo do preço de custo. Mas a essência do negócio era: "Você recebe por 100 caixas, só entrega 50 e a gente divide."
Outro dia, no aeroporto de Brasília, um fabricante de próteses ortopéticas me procurou para contar que estava fora de qualquer negócio com o governo, porque se recusara a participar da corrupção. A propina é sempre acrescentada ao preço que o contribuinte paga. Se uma reforma num estádio ou num aeroporto custa 20 milhões é porque na realidade custaria 1 milhão e 800 mil – porque está embutida a propina. E, segundo o experiente ministro do TCU, essa é a regra. A oposição quer fazer CPI para apurar a corrupção. Como as demais, acaba em nada. Sugiro o inverso: que a comissão apure que órgãos oficiais não cobram comissão e que empresas não pagam propina.
Como isso é raro, é o que precisa ser investigado.