A aplicação de biocarvão (biochar) pode ser uma boa opção para aumentar a quantidade de matéria orgânica em solos agrícolas. A aposta é feita pelos participantes do 12º Encontro Brasileiro de Substâncias Húmicas e Matéria Orgânica Natural, realizado na última semana, na Embrapa Agrossilvipastoril, em Sinop.
O evento reuniu pesquisadores do Brasil e do exterior que estudam a matéria orgânica dos solos. Por meio de palestras e apresentações de trabalhos, eles discutiram o que há de mais recente na ciência sobre os benefícios da matéria orgânica para a fertilidade de solos tropicais, garantindo a retenção de nutrientes e de água, a melhor estrutura física e dando condições à atividade microbiana.
Com o uso intensivo do solo pela atividade agropecuária, a quantidade de matéria orgânica de decomposição lenta vem reduzindo. Parte dessa demanda é suprida pela palhada presente em sistemas conservacionistas, como a integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), por exemplo.
Entretanto, pesquisadores buscam novas alternativas para recompor a matéria orgânica. O biocarvão feito a partir da pirólise (queima controlada sem presença de oxigênio) de restos vegetais tem se mostrado uma boa alternativa.
“Claro que o plantio direto com rotação de culturas já é uma realidade em muitas regiões do Brasil. E isso tem se mostrado uma estratégia com resultados positivos. O biocarvão, pelo que a gente discutiu aqui, é uma estratégia promissora. Porém, ainda tem que se investigar muito os efeitos a longo prazo dessa aplicação e os volumes a serem usados. Inclusive, o tipo de solo e de clima, pois isso é muito importante para a dinâmica do biocarvão”, afirma a professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e uma das coordenadoras do evento Déborah Dick.
O pesquisador da Embrapa Solos Etelvino Novotny também vê com cautela o uso imediato do biocarvão. Para ele, nos últimos dez anos, quando começaram as pesquisas com o produto no Brasil, houve uma grande evolução e os resultados são promissores. Porém, ainda é preciso estudar melhor os efeitos da aplicação do produto no ambiente.
“Estamos com várias frentes de trabalho relacionadas à melhoria do material e de não apenas aplicar biocarvão no solo e ver o que acontece. São trabalhos muito específicos. Estamos muito preocupados com a segurança desse material, para fazer uma aplicação que seja segura, que não vá causar nenhum problema ambiental e muito menos para o produtor.”.
A definição de doses a serem utilizadas também é outro ponto que precisa ser melhor definido.
“Estamos tendo muitos avanços, muitas respostas positivas, porém não é algo simples. Não é um composto químico simples como um fertilizante, por exemplo. Então realmente tem muito trabalho a ser feito. A gente já tem muita coisa consistente. Mas, em minha opinião, para chegar ao produtor como uma recomendação segura, com a questão de dose e de material, eu ainda acho que falta alguma coisa. Falta mais conhecimento e segurança nisso”, ressalta o pesquisador.
De acordo com Etelvino, as pesquisas têm sido feitas com dosagens altas de biocarvão, como 10 a 15 toneladas por hectare. Essas quantias inviabilizam o uso em larga escala. Entretanto, é possível pensar em usos agregados a outros materiais, ou na potencialização das características do biochar. A mistura com substrato na produção de mudas e no plantio de árvores também é uma alternativa viável e com resultados promissores.
O professor da Universidade Federal do Paraná Antonio Mangrich destaca ainda o potencial de uso do biocarvão para a convivência com a seca em solos arenosos do Nordeste, onde há baixa retenção da água da chuva que cai em abundância, mas em um período curto do ano. Como outras formas de matéria orgânica e substâncias humificadas, o biochar contribui para a retenção de água no solo.
De acordo com ele, a expectativa é que em breve os próprios agricultores possam produzir o biocarvão em estruturas simples e usando restos vegetais, como bagaço de cana, cascas de cereais e frutas, como o coco. Um exemplo é um preparador de biochar desenvolvido por pesquisadores usando apenas tambores de metal usados. Enterrados no solo, vedados com barro e com um sistema controlado de ventilação, a ferramenta permite realizar a pirólise com baixo custo.
“O próprio agricultor vai fazer o biochar. Ao invés dele só trabalhar com uma agricultura que destrói a matéria orgânica, ele vai repor a matéria orgânica. Não só da palhada que cai e é destruída rapidamente pelos microrganismos. Quando você faz a pirolise, você transforma quimicamente essa matéria orgânica natural em uma matéria orgânica muito mais inerte, muito mais estável. Você ajuda no sequestro de carbono, na retenção de água e você ajuda na fertilidade do solo para o desenvolvimento de plantas”, explica o professor.
O 12º Encontro Brasileiro de Substâncias Húmicas e Matéria Orgânica Natural foi promovido pela Sociedade Internacional de Substâncias Húmicas em parceria com Universidade Federal de Mato Grosso, Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Embrapa. O evento contou com patrocínio da Rede de Fomento ILPF.