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Escolas medievais no Brasil, até quando?

Luiz Henrique Lima é professor e conselheiro independente certificado.
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O estudo da História nos permite imaginar a realidade cotidiana de uma escola medieval. Na ausência de energia elétrica, o aprendizado era ditado pela luz natural do sol, pelas fogueiras crepitantes em lareiras ou pela chama de velas e lamparinas. A ausência de água potável corrente significava que o acesso à água dependia de poços ou fontes próximas, muitas vezes carregada em baldes, e sua potabilidade era uma preocupação constante, com elevada incidência de doenças. Por sua vez, a inexistência de banheiros resultava na utilização de latrinas simples, muitas vezes buracos no chão, ou na dependência de áreas externas para as necessidades fisiológicas, o que contribuía para um ambiente com pouquíssima higiene e odores fortes.

Por que recordar esse cenário?

Porque essa é a triste e vergonhosa realidade que ainda encontramos em nosso país no segundo quarto do século XXI. Quem a denuncia são os dados oficiais, provenientes do Censo Escolar de 2024, a partir de questionários autodeclaratórios das próprias unidades escolares.

O Censo Escolar reúne informações de 181.065 escolas brasileiras. Dessas, 6.307 não dispõem de água potável, afetando cerca de 650 mil alunos. Ademais, 5.765 unidades não contam com esgotamento sanitário. Pior: 4.925 escolas não têm sequer um banheiro para atender estudantes, professores e funcionários. Finalmente, 2.532 estão desprovidas de qualquer tipo de abastecimento d’água e 2.209 de qualquer forma de energia elétrica. 

Onde estão essas escolas? Em todas as regiões e em todos os estados brasileiros, principalmente nas áreas rurais, mas até mesmo nas mais ricas capitais do Sul e do Sudeste. Os dados estão em https://public.tableau.com/app/profile/cnmp/viz/SededeAprender/SededeAprender, compilados pelo Conselho Nacional do Ministério Público, em parceria com diversas organizações.

Estimados leitores, como podemos ser indiferentes e não nos indignarmos com isso?

Crianças tentando estudar em escolas sem saneamento? Professores lecionando sem acesso a instalações sanitárias mínimas? Servidores improvisando com baldes d’água para manter um mínimo de higiene? Velas e lamparinas para iluminar as salas de aula?

Muitas dessas escolas possuem na sua entrada placas comemorativas de sua inauguração expondo o nome de autoridades responsáveis pela sua construção ou reforma. Será que alguém tem orgulho de ver o seu nome associado a uma escola sem água, esgoto ou banheiro?

Alguém poderia argumentar: mas o que você descreve ocorre em uma proporção mínima, considerando o total de 181.065 escolas. Exatamente por isso é que essa é uma situação inaceitável. Trata-se de um problema de dimensão limitada e cuja solução não envolve tecnologia sofisticada ou grandes recursos financeiros. Planejar uma rede de água e esgoto não exige conhecimentos astrofísicos ou de computação quântica. Construir um banheiro bem equipado para uma escola custa uma ninharia diante do que prefeituras e estados despendem na promoção de eventos que duram um dia apenas.

E, no entanto, ano após ano, a cada edição do Censo Escolar, tenho publicado artigos semelhantes a este aqui nos mais variados veículos de comunicação, sempre com o mais retumbante insucesso na tentativa de sensibilizar governantes e mobilizar cidadãos para decidir que nenhuma criança brasileira deve estudar numa escola medieval.

É impossível formar cidadãos conscientes quando o ambiente escolar comunica descaso. Uma criança que não encontra água limpa para beber ou um banheiro para usar está recebendo, antes de qualquer lição curricular, uma aula de abandono. Essas escolas, caros leitores, não são escolas. São galpões de desrespeito. São monumentos à falência das prioridades públicas. São cárceres de sonhos, onde crianças são ensinadas a se conformar com a indignidade e professores aprendem a pedagogia da sobrevivência.

A Constituição Cidadã garante qualidade mínima no ensino. A Estratégia 6.3 do Plano Nacional de Educação trata do programa nacional de ampliação e reestruturação das escolas públicas, por meio da instalação de quadras poliesportivas, laboratórios, inclusive de informática, espaços para atividades culturais, bibliotecas, auditórios, cozinhas, refeitórios, banheiros e outros equipamentos. A Lei 14.172/2021 prevê acesso digital. Sim, 90% das escolas brasileiras já têm acesso a internet, sendo 77% com banda larga, o que torna ainda mais trágico e cruel o tratamento desigual para aquelas em que o básico – água potável, banheiro, luz, dignidade – ainda é negado. Até quando?

Este artigo não é uma crítica a gestores A ou B ou X ou Y ou Z. É uma conclamação a que sociedade civil, conselhos escolares, órgãos de controle e, principalmente, nós, cidadãos, expressemos nosso inconformismo e exijamos a imediata e completa resolução do problema.

Será um dia feliz aquele em que o Censo Escolar nos revelar que nenhuma escola brasileira submete sua comunidade a condições medievais.

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