A fotografia é um documento. Ela foi tirada no final de 2002, no gabinete principal do Ministério da Saúde e retrata um encontro de três amigos: o empresário paulista Abel Pereira, o então ministro da Saúde Barjas Negri e o prefeito de Jaciara (MT), Valdizete Martins Nogueira. É natural que Valdizete e Barjas se reunissem. Na ocasião, ambos tratavam da liberação de cerca de R$ 500 mil para a ampliação do hospital municipal de Jaciara. O problema é saber exatamente por que Abel Pereira estava no encontro. O empresário é apontado por Darci e Luiz Antônio Vedoin, os donos da Planam (a empresa que comandava a máfia das ambulâncias) como o elo entre o esquema dos sanguessugas e o PSDB, através de Barjas.
Tanto o ex-ministro como Abel negam essa relação. Os dois admitem que se conhecem, mas Barjas tem dito rotineiramente que nunca houve nenhuma ingerência de Abel na liberação de recursos do Ministério. A Polícia Federal, porém, já tem conhecimento de pelo menos um caso em que a participação de Abel foi decisiva para que dinheiro saísse do Ministério. Trata-se exatamente de um caso que envolve os três fotografados. Abel intercedeu junto ao Ministério para que R$ 495 mil fossem repassados ao prefeito para a ampliação do hospital. O dinheiro saiu em apenas 12 dias, um tempo recorde para a aprovação de convênios dessa natureza. Mas o interesse de Abel não era apenas o de ajudar um prefeito amigo a apressar o processo burocrático. A obra em Jaciara foi feita pela Cicat, única empresa a participar da licitação. O proprietário da Cicat é o próprio Abel.
“Temos indícios de que Abel participava não só na venda de ambulâncias superfaturadas, mas também em outros projetos que envolvessem recursos do Ministério da Saúde”, assegura um dos procuradores que investigam a máfia dos sanguessugas. Na terça-feira 10, a Justiça Federal de Mato Grosso quebrou os sigilos bancário e fiscal de Abel. Assim, a PF poderá começar a vasculhar a origem do dinheiro de Abel. Poderá descobrir, também, o exato destino dos mais de R$ 600 mil que os Vedoin disseram ter repassado ao empresário através de 15 cheques, como denunciou ISTOÉ no final do mês passado. Trabalhando em silêncio e com o reforço da área de inteligência, delegados e procuradores têm ciência de que Abel deixou muitos rastros para serem seguidos. “Abel é muito descuidado”, disse um policial envolvido com o caso. A polícia já marcou para sexta-feira 13 um depoimento de Abel, em São Paulo. Os delegados ainda não terão em mãos os sigilos bancário e fiscal do empresário, mas já sabem de todos os contatos que manteve recentemente com os Vedoin. O objetivo inicial será questioná-lo sobre sua participação na venda de um dossiê fajuto a petistas aloprados. A suspeita é de que Abel estaria tentando evitar que os Vedoin delatassem a participação de tucanos com a máfia das ambulâncias.
O cerco contra Abel também se fecha na CPI dos Sanguessugas, que se interessou em esclarecer a participação do PSDB. Em 19 de setembro, o presidente da CPI, deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), pediu ao juiz federal Jéferson Schneider a cópia de “todo o material apreendido” pela PF, bem como os depoimentos prestados pelos envolvidos com a compra do dossiê da família Vedoin. O juiz autorizou. Mas a CPI recebeu um ofício, do dia 22 de setembro, no qual o delegado Diógenes Curado encaminha ao sub-relator Fernando Gabeira (PV-RJ) as cópias dos autos “escolhidas por vossa excelência”. A deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB – AM) foi a Cuiabá na última semana e descobriu que vários documentos importantes não foram entregues à CPI. Na lista estão os autos de apreensão feitos nas buscas da PF, que incluem detalhes sobre DVDs, cópias de documentos e material de informática recolhidos. “Isso atrapalhou muito o trabalho da CPI”, diz Vanessa. O deputado carioca se defende: “Eu trouxe todos os documentos que o delegado me deu”, responde Gabeira. Além de Abel, os parlamentares da CPI investigam supostas ligações de Valdebran Padilha, envolvido na compra do dossiê, com dez empresas que operaram verbas federais e com o PSDB de Barjas e Serra. Em São Paulo, a PF vai investigar 215 contratos julgados irregulares pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) referentes a obras e serviços contratados pelo CDHU, empresa estatal que o ex-ministro Barjas Negri presidiu entre 2003 e 2004. Há suspeitas de que o próprio Abel esteja por trás de muitas dessas obras.