Mobilizadas para reagir a um eventual pedido de impeachment de Luiz Inácio Lula da Silva, entidades de trabalhadores, sem-terra e estudantes receberam mais de R$ 60 milhões dos cofres públicos nos primeiros três anos de mandato do presidente. O maior volume de dinheiro foi destinado ao MST e à CUT, investigados pelo Tribunal de Contas da União por desvio de verbas federais.
A Folha pesquisou os repasses de dinheiro dos impostos arrecadados pela União às três principais ONGs ligadas ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que não tem personalidade jurídica, à Central Única dos Trabalhadores e à UNE (União Nacional dos Estudantes).
Representantes das entidades se reuniram com o presidente do PT, Ricardo Berzoini, na última terça, e planejam para junho uma grande manifestação pró-Lula. Seria uma reação a um eventual pedido de impeachment do presidente analisado pela OAB.
Os números não levam em conta repasses feitos às entidades por estatais, que fogem ao controle do Siafi (sistema informatizado de acompanhamento de gastos federais). Para a comemoração do Primeiro de maio, por exemplo, a CUT recebeu da Petrobras e da Caixa R$ 800 mil. Há dois anos, para promover os 20 anos da central, essas estatais investiram, com os Correios, R$ 760 mil.
Encarregado da interlocução com os movimentos sociais, o ministro Luiz Dulci (Secretaria Geral da Presidência) avalia que o governo Lula melhorou o diálogo com as entidades. “Mesmo aquelas dirigidas por adversários, como a CGT, tiveram interlocução maior.” Dulci não opinou sobre o repasse de verbas públicas.
Salto
Sob Lula, ONGs ligadas ao MST foram as que mais ganharam. Mais do que quadruplicou o volume de recursos repassados para programas de capacitação profissional e de alfabetização ou cursos de formação política –principais formas de captação de recursos públicos pelos sem-terra.
Entre 2000 e 2002 –três últimos anos da administração Fernando Henrique Cardoso–, a Anca (Associação Nacional de Cooperação Agrícola), a Concrab (Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária) e o Iterra (Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária) receberam da administração direta pouco mais de R$ 7 milhões. Nos três primeiros anos de mandato de Lula, foram repassados quase R$ 30 milhões às entidades.
A comparação do mesmo período (três últimos anos da administração FHC contra os três primeiros de Lula) mostra queda de repasses à CUT. Mas, em julho de 2003, o TCU mandou suspender o repasse às centrais sindicais, depois de apurar o desvio de dinheiro do Planfor, programa destinado à capacitação profissional.
Em 2004, a CGU (Controladoria Geral da União) criticou formalmente o descumprimento das determinações do TCU. Mas o Ministério do Trabalho insistiu no entendimento de que a suspensão dos repasses se limitava ao Planfor.
Num reexame das prestações de contas do programa, o ministério apurou desvio de R$ 9,9 milhões por parte da CUT. Procurada pela Folha, a assessoria do ministro Luiz Marinho disse que não há conclusão sobre a devolução do dinheiro aos cofres públicos.
O Ministério do Trabalho manteve os pagamentos destinados ao Plansine, programa que cuida da recolocação de desempregados no mercado de trabalho. A CUT também vem recebendo repasses do Ministério da Educação para programas de alfabetização.
Irregularidades
Entre as irregularidades apontadas na CUT, o tribunal encontrou um único trabalhador, de nome Adão de Jesus Evling Naysinger, inscrito em 25 cursos em seis cidades diferentes. A Força Sindical, igualmente condenada pelo TCU, continuou recebendo dinheiro público em volume maior do que a CUT em 2003 e 2005.
Alvo de investigações por desvio de verbas como a CUT, as principais ONGs ligadas ao MST foram cobradas pelo TCU a devolver R$ 15 milhões aos cofres públicos. É o valor corrigido no final de 2005 das verbas supostamente desviadas pela Anca e pela Congrab. A maior parte das irregularidades foi registrada em convênios feitos no governo Lula.
Em menos de quatro meses, a Anca já recebeu, só neste ano, R$ 2,9 milhões, segundo registros do Siafi. No mesmo período, foram repassados à UNE R$ 735 mil –71% do total repassado em 2002, último ano de governo FHC.
Em 2005, a UNE recebeu num só dia (22 de julho) R$ 770 mil do Ministério da Cultura. A verba foi para atividades culturais, e a prestação de contas está em aberto. A pesquisa no Siafi foi feita com o apoio da ONG Contas Abertas.