Ao mesmo tempo em que endureceu as exigências ambientais para a pavimentação da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) afrouxa os critérios para o asfaltamento de outra estrada na Amazônia, a BR-158, que liga o leste de Mato Grosso ao Pará. Um documento obtido pela Folha mostra que a faixa de terra considerada zona de impacto da obra é de 15 quilômetros de cada lado da estrada quilômetros, contra 50 quilômetros para a Cuiabá-Santarém.
O documento, o Estudo Preliminar de Impacto Ambiental da BR-158, feito pela empresa de engenharia Ecoplan (a mesma que realizou os estudos de impacto ambiental da BR-163), afirma que a delimitação da zona de influência indireta da estrada foi definida “após reunião com o Ibama”.
Também afirma que a coleta de dados ambientais nessa zona de influência para a elaboração de relatórios de impacto será feita “predominantemente por meio de fontes secundárias” — ou seja, as pesquisas de campo serão restritas, diferentemente do que ocorreu com a Cuiabá-Santarém, propagandeada pelo governo como um modelo de obra de infra-estrutura ecologicamente correta.
O Ibama confirma que os critérios são diferentes. Mas o coordenador-geral de Licenciamento Ambiental do órgão, Valter Muchagata, diz que não há problema nisso. “Quinze quilômetros em geral está de bom tamanho”, afirmou. Segundo ele, o grau de antropização (impacto humano) na BR-158 é muito maior que na BR-163, que é “uma região sensível”.
Ambientalistas que conhecem a região questionam o uso de critérios duplos pelo órgão ambiental. “É um raciocínio meio maluco, esse”, disse Márcio Santilli, do ISA (Instituto Socioambiental), que coordena uma campanha pela preservação da água nas nascentes do rio Xingu — parte delas na zona de influência da rodovia. “Não importa se a área está antropizada. Uma questão é qual será o impacto uma vez que a área de influência esteja definida. Outra é predefinir a área de influência.”
Roberto Smeraldi, diretor da Amigos da Terra Amazônia Brasileira, enviou uma carta ao presidente do Ibama, Marcus Barros, cobrando explicações sobre a obra. “Surpreende o duplo padrão ainda mais tendo em vista tudo o que o governo disse sobre a BR-163 ser um modelo para pavimentação de estradas na Amazônia”, disse Smeraldi à Folha. “Diferentemente da BR-163, a BR-158 não tem um plano de desenvolvimento sustentável. E essa faixa [de 15 km], se plotada no mapa, parece feita para demonstrar que a estrada não tem relação com as cabeceiras do Xingu.”
O trecho da 158 a ser asfaltado tem 268 km, e atravessa uma área de cerrados e de mata de transição, o ecossistema mais ameaçado da Amazônia. “O nordeste da bacia do Xingu ainda tem estoques florestais relevantes e que estão hoje fora de acesso”, diz Santilli. Essa mata também tem sido palco de uma controvérsia entre o governo federal e o Estado de Mato Grosso sobre o licenciamento de propriedades rurais. O governo estadual defende que as áreas de transição não são floresta, admitindo 50% de desmatamento em fazendas localizadas ali. O federal afirma que a mata de transição integra a Amazônia — e que, pela lei florestal vigente, só 20% da área de uma propriedade nela situada pode ser posta abaixo.
Agronegócio
A pavimentação interessa ao setor agropecuário do leste de Mato Grosso, região que concentra um grande rebanho bovino — 635 mil cabeças só nos municípios de Vila Rica e São Félix do Araguaia — e que assistiu nos últimos anos à explosão da soja.
Entre as empresas que se beneficiarão com o asfaltamento está a Maggi, de propriedade do governador do Estado, Blairo Maggi (PPS), que poderá escoar para o Araguaia e os portos do Maranhão a soja produzida no nordeste mato-grossense. A empresa tem uma fazenda de 80 mil hectares em Querência, a oeste do eixo da BR-158, e recebeu do IFC (braço do Banco Mundial para financiamento à iniciativa privada) um empréstimo de US$ 30 milhões para expandir em 250 mil toneladas anuais a produção da leguminosa naquela região.
O EIA-Rima da obra, que o Dnit (Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes) ainda não encaminhou ao Ibama, aponta para o fato de que a região tem solos planos e adequados à mecanização. Segundo o documento, o asfaltamento “provocará uma sensível ampliação da área plantada e a intensificação da exploração de áreas já abertas de soja, arroz e de pecuária”. O barateamento do frete também deverá tornar “mais competitivas atividades de exploração de recursos, especialmente madeira”.