Fragilizado e com a reputação cada vez mais abalada dentro e fora da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), presidente da Casa, forjou uma aliança de ocasião com o governo, esquecendo sua promessa de campanha de manter uma distância razoável do Planalto.
“Há um novo Severino na presidência da Câmara”, reclama a oposição, maior responsável por sua vitória, em fevereiro passado.
Governistas comemoram: o ex-crítico da política econômica, que costumava acusar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de humilhar o Parlamento, agora joga em seu time.
“Nossa relação com Severino está muito ruim. Fizemos a opção política de apoiá-lo sem avaliar que poderia dar nisso”, diz Pauderney Avelino (PFL-AM).
A ira oposicionista explodiu na semana passada, após a entrevista de Severino à Folha em que defendeu penas brandas –e não a cassação do mandato- para deputados flagrados no esquema de caixa dois eleitoral.
“Quando Severino age no sentido de protelar a punição de deputados, a posição dele, consciente ou inconscientemente, é a mesma do governo, que quer empurrar com a barriga”, diz o primeiro vice-presidente da Câmara, José Thomaz Nonô (PFL-AL).
Também na entrevista, Severino fez, nas palavras de um deputado, uma “declaração de amor ao governo”, elogiando a política econômica e manifestando apoio à reeleição do petista.
“O Severino prometeu autonomia na relação com o governo e passou a aliado incondicional”, afirma Fernando Gabeira (PV-RJ), que virou símbolo do motim oposicionista com sua afirmação categórica de que Severino é um “desastre” para o país.
Comemoração
Na liderança governista na Câmara, a conquista de Severino é um raro motivo de comemoração em um cenário de terra arrasada. “A relação com ele melhorou, sem dúvida. A oposição imaginava que ele o ajudaria na sua tarefa de desestabilizar o governo e agora está com dor-de-cotovelo”, diz o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP).
Tamanha era a importância de ter Severino como aliado que no final de julho Lula sacrificou seu amigo Olívio Dutra, retirando-o das Cidades para lá acomodar Márcio Fortes, indicação do PP.
Outra frente da ofensiva são os cafés da manhã que Lula tem oferecido a Severino, para tratar de uma “agenda positiva”.
O ministro Antonio Palocci (Fazenda) é outro que nos últimos três meses tem demonstrado uma espantosa disponibilidade de agenda para receber pleitos dos mais diversos de Severino, que já intercedeu em favor de produtores de arroz e de banana.
Os resultados já aparecem. Severino agora protege o presidente da ameaça de impeachment, defende a explicação “convincente” de Palocci sobre as acusações de seu ex-assessor Rogerio Buratti e elogia as ações do governo.
“No interior, uma grande camada dos desfavorecidos está tendo a oportunidade de ver os filhos estudando, ter alimentação”, disse, na semana passada.
Em fevereiro, também à Folha, Severino mandou um recado bem diferente a Lula: “Olha, presidente, nós precisamos fazer com que o povo, o pobre, o miserável, não pague, não satisfaça a fome do mercado internacional”.
A acusação de que Severino teria recebido R$ 10 mil de um empresário colaboraria para estreitar as relações com o Planalto. “Se Severino fosse um presidente forte, Lula estaria perdido”, diz Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP).
A metamorfose do presidente da Câmara lhe rendeu uma lista crescente de inimigos. Gabeira não é o único. “Claro que se ele passar na minha frente eu o cumprimento, sou educado, mas nossa relação azedou”, diz o presidente do Conselho de Ética, Ricardo Izar (PTB-SP), irritado com a insistência de Severino em mandar ao Conselho a conta-gotas processos de cassação.
Outro inimigo é o presidente do PPS, Roberto Freire (PE). “Severino é sócio do governo desde que ganhou um ministério. Por ele não tenho respeito.”
As sucessivas polêmicas em que se envolve o presidente da Casa, além do envolvimento do PP na acusação de “mensalão”, começam a neutralizar o inchaço do partido provocado por sua vitória. Estão de saída do partido Ivan Ranzolin (SC), Pratini de Moraes (RS) e Delfim Netto (SP).
Mas Severino mantém um “núcleo duro” de admiradores de vários partidos, como Ciro Nogueira (PP-PI), Benedito Dias (PP-AP), Robson Tuma (PFL-SP), João Caldas (PL-AL) e Givaldo Carimbão (PSB-AL).
“Severino hoje é um aliado do governo, mas a oposição tem que apontar os fatos específicos que justifiquem suas críticas. Em nenhum momento ele, por ter feito indicação ao ministério, se propôs a trabalhar pelo governo na atual crise. Sua posição continua sendo de defender a independência do Legislativo”, diz Nogueira.
Na semana passada, chamou a atenção o fato de nenhum dos governistas ter criticado Severino por sua entrevista à Folha. Alguns petistas se dizem constrangidos. “É arriscado apoiá-lo no meio desse turbilhão. Eu recomendaria um mínimo de prudência”, diz Paulo Rubem (PT-PE).
Chinaglia admite certa cautela para não machucar o neoaliado. “Óbvio que a reação à entrevista foi calculada. Quero manter uma boa relação com ele.”