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Aliados oferecem dinheiro para evitar denúncias contra Severino

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A crise política já apagou a estrela do PT, baqueou a popularidade de Lula, jogou no chão algumas das principais figuras da política nacional – e, agora, vai tirar o bode da sala. Na quinta-feira 8, sete meses após emergir com uma surpreendente eleição para presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP-PE), 75 anos, começou a tombar no pó da execração pública, sujeito à cassação e ao final antecipado de uma carreira política espinhosa como sua carranca, seca como suas ousadias, árida como suas idéias. Severino, que se dizia pronto para a emergência de um impeachment no Planalto, deve perder seu emprego. Seu envolvimento num deprimente mensalão particular acaba de incluí-lo no topo da lista dos 18 parlamentares condenados ao julgamento político pelo escândalo das propinas federais do PT.

Suspeito de ser o pizzaiolo que tentaria abafar as punições, Severino ironicamente cai pelas mãos do chefe do restaurante oficial da Câmara, o empresário Sebastião Buani, que revelou ao País, num choro envergonhado, a receita de extorsão inventada pelo segundo homem da cadeia de sucessão da República. “Eu paguei R$ 110 mil de mensalinho ao presidente Severino. Uma entrada de R$ 40 mil em abril de 2002 e mais ou menos R$ 70 mil entre fevereiro e setembro de 2003”, desabafou Buani, na tevê, denunciando a mesada que Severino lhe extorquia para manter aberto seu restaurante, no décimo andar da Câmara. O repentino mergulho de Severino no caldeirão da corrupção elevou a tensão de seus amigos e aliados, ampliando temores e ameaças. Sua viagem a Nova York na segunda-feira 5, para um encontro mundial de parlamentos na ONU, só piorou a condição política de Severino, que fingia desdém pelas denúncias.

Os amigos que ficaram em Brasília tentaram de tudo. O líder do partido de Severino, deputado José Janene (PP-PR), enviou um emissário a Buani para uma conversa cabalística. Com as mãos tremendo, o mensageiro desenhou o número 100 numa folha de papel e resmungou: “Este Severino! Por causa de uma porcaria destas (R$ 100 mil), faz uma confusão deste tamanho. E isso se resolve fácil, assim” – e desenhou um X e um número 10 na frente do 100, fechando a equação de R$ 1 milhão insinuada ao denunciante. Buani fez que não entendeu. Os celulares dos parentes e assessores de Buani ficaram lotados de recados menos enigmáticos. A secretária eletrônica de um deles gravou, na terça-feira, antevéspera do desastre, um recado do deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE): “Meu irmão, acalma o chefe. A gente perdoa a multa, parcela a dívida, resolve tudo. Vamos conversar”, propôs. O mais devotado severinista, o deputado Benedito Dias (PP-AP), autor do pedido de cassação do deputado Fernando Gabeira (PV-RJ), mandou um recado a Buani, sugerindo uma licitação dirigida para renovar o contrato do restaurante com a Câmara. Seria o mesmo modelito aplicado em 2003 no restaurante do Anexo 3, que Buani perdeu de forma calculada – na gestão do petista João Paulo Cunha – para o ex-chefe da Segurança da Câmara, Gilmar Moraes Bezerra.

Numa quarta-feira de setembro de 2003, depois de catar a féria do dia para saciar a gula de Severino, Buani foi surpreendido com um abraço emocionado da filha, Gisele, sua aflita diretora financeira: “Papai, sai dessa vida. A gente não precisa disso”, disse, chorando junto com ele. “Isso vai acabar”, concordou Buani. Na entrevista de quinta-feira, justificou: “Deixei de pagar gente humilde, atrasei salário de R$ 300 de gente que mora na periferia de Brasília, para pagar o mensalinho de Severino.” A fortaleza severinista começou a ruir na terça-feira, quando explodiu na internet a cópia do documento de 2002 assinado por Severino, prorrogando o contrato do restaurante Fiorella, de Buani, até 2005. O pânico pipocou em Nova York. No mesmo dia, Severino deu três explicações diferentes para o papelucho: não vi, não assinei e, se tem minha assinatura, é fraude.

Um ex-gerente de Buani, Izeilton Carvalho Souza, confirmou na PF as propinas pagas a Severino. Esta soma de notícias ruins exasperou até a sorridente chefe de gabinete do presidente da Câmara, Yara Araújo, ao tomar conhecimento de um cheque de R$ 10 mil emitido por Buani e sacado no Bradesco pelo motorista de Severino: “É verdade que tem este cheque? Então, acabou…” O filho e conselheiro Maurício Cavalcanti, que ganhou um cargo público em Pernambuco, mas vive em Brasília, também baqueou: “Papai nega ter recebido este cheque. Mas precisamos ter certeza.” Na oposição, já irritada com o ensaio de pizza de Severino, a denúncia do mensalinho precipitou a caça ao presidente. Já existe um movimento para exigir a renúncia imediata de Severino, a partir de uma greve de plenário que vai imobilizar ainda mais um Congresso já paralisado pela crise e por três CPIs. “Severino tem que ser cassado. O PSDB quer eleger um estadista como seu sucessor”, diz o secretário-geral tucano, deputado Bismarck Maia (CE). “A investigação da denúncia tem que ser extremamente rápida”, cobrou o novo líder do PT na Câmara, Henrique Fontana (RS), traindo a preocupação petista com uma prolongada interinidade do PFL, na figura do primeiro vice-presidente, José Thomaz Nonô (AL).

Severino é um bode que a oposição colocou no poder, em fevereiro, usando sua cabeça dura para dar uma marrada no Planalto. O próprio ex-presidente Fernando Henrique Cardoso entrou na articulação com Severino para derrotar o governo em plenário. Na presidência, Severino foi um bode na vida de Lula, que teve de engolir dele um atrevido ultimato para emplacar o afilhado Ciro Nogueira (PP-PI) na fracassada reforma ministerial de fevereiro. Na crise do mensalão, Severino prometia ser um bode institucional para trocar a cassação de aliados por censuras brandas. Agora, transformado no próprio bode, Severino deve ser removido do Salão Verde em nome da moralidade, como uma tentativa suprapartidária de recuperação da imagem pública do Congresso. “Não podemos repetir a bobagem que já fizemos, a de eleger Severino Cavalcanti”, lembra o líder tucano na Câmara, deputado Alberto Goldman (SP). Em Nova York, como Pedro, Severino negou três vezes (“mentira, mentira, mentira”) a denúncia de Buani, ao relatar o que ouvira do deputado em 2003: “Meu filho, quero que você ganhe muito dinheiro.” Logo depois, ao receber a facada do mensalinho, Buani entenderia por quê. A volta ao Brasil, marcada para sábado, acabou antecipada para a sexta-feira 9. Já com sua situação crítica e sob forte pressão, Severino rechaçava a renúncia, na sexta-feira, ainda em solo americano, mas admitia que se afastaria do cargo enquanto durassem as investigações. “Vou conversar com meus auxiliares. Não aceito ser enforcado antes da hora”, disse. Em fevereiro, entronizado como bode-rei pelo voto de manada dos 300 cupinchas do baixo clero, Severino resfolegou: “Não tenho ninguém que me financie.” O País sabe, agora, que o bode tinha.

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