O número mulheres assassinadas em Cuiabá e Várzea Grande em 2012 aumentou 43% em relação ao total registrado no ano de 2011. Dados da Polícia Civil apontam que entre janeiro e outubro foram registrados 30 homicídios, sendo 23 vítimas na Capital e 7 na cidade vizinha. Seis crimes passionais ocorreram somente no último mês. No decorrer de todo o ano anterior, foram 21 mortes de pessoas do sexo feminino, 15 em Cuiabá, 6 em Várzea Grande.
Enquanto o relatório da Delegacia de Homicídio e Proteção à Pessoa (DHPP) aponta que dos 181 assassinatos ocorridos em Cuiabá, 16% tenha como caracterização de crime passional. Quando o o recorte é feito somente entre vítimas do sexo feminino, o percentual sobe para mais de 70%. Dos 21 registros contra mulheres somente na Capital, pelo menos 15 vítimas foram mortas pelos seus atuais ou ex- companheiros, ex-maridos, ex-namorados. Destas, 3 eram filhas das mulheres, que também foram mortas. A exemplo do que ocorreu na madrugada do dia 12 de outubro, quando o segurança Jorge Carlos da Silva invadiu a casa da ex-mulher Sandra Daghetti, 38, e a matou com 8 facadas. As filhas dela, Elisa Daghetti de Amorim, 13 e Karina Fernanda Daghetti, 14, também foram atacadas e mortas pelo homem que não aceitava o fim do relacionamento com a mãe das jovens.
A mãe de Sandra, Margarida Bloot Daghetti, 63, conta que o relacionamento do casal durou 10 anos e estavam separados há 7 meses. “Não acompanhei de perto porque moro no Paraná, mas sei que ele era muito severo com as crianças e rígido”. Vizinha das vítimas, a irmã de Sandra, Márcia Daghetti, 42, conta que o casamento foi marcado pela violência doméstica, manifestada de diversas formas, desde a agressividade contra mãe e filhos, até o medo que ele provocava nas crianças.
Cerca de um mês antes da tragédia, foi escrito na parede da casa de Sandra que se ela continuasse o atual namoro seria morta, junto com as filhas. Vidros da porta da casa foram quebrados e uma parte de madeira da residência ateada fogo. Márcia conta que diante da ameaça escrita a irmã ligou para Jorge e ele negou a autoria. Foi até a casa da ex-companheira e pintou a parede e trocou os vidros das portas. Márcia conta ainda que um dia antes da tragédia, Jorge agrediu Sandra na rua e tentou levá-la para o Pedra 90, onde estava morando. “Ela só começou ficar com medo quando tentaram por fogo na casa. No dia que ele bateu na Sandra, ela dormiu na casa do namorado e as meninas comigo. Sempre falei para Sandra que era pra ter cuidado. Cansei de falar que esse homem a mataria, mas ela nunca acreditou. Sempre comentava que ele não seria capaz, pois tinham vivido por 10 anos juntos”.
Subestimar o agressor é a principal causa que leva mulheres a serem assassinadas, afirma a promotora de Justiça Elisamara Sigles Vodonós Portela, que atua no Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher em Cuiabá. “A mulher acha que nunca vai acontecer com ela, acredita que vai mudar o companheiro e costuma atribuir atribuir o comportamento agressivo a bebida, uso de drogas ou porque está nervoso”.
A promotora reforça que a mulher deve ficar atenta aos sinais e sair da relação ao notar o comportamento violento e possessivo do homem. Vários sinais são dados pelos agressores. Na maioria das vezes são ignorados pela vítima, que costuma ter medo de ficar sozinha e auto-estima baixa. “Elas pensam que não arrumarão ninguém e têm uma dependência muito grande da presença masculina para ser feliz, sentirem-se aceitas na sociedade, que também cobra isso das mulheres”.
Em geral, os agressores são pessoas frias e quando matam suas companheiras atacam principalmente rosto, seios e região pélvica. “É como se eles quisessem destruir o lado feminino, os elementos que representam a feminilidade daquela companheira”.
Dados do Mapa da Violência 2012 apontam que no Brasil a arma de fogo é a principal arma utilizada na execução de mulheres, com 53,9% dos casos. Na sequência temos o emprego de objeto cortante ou penetrante (26,0%), objeto contundente (8,3%), estrangulamento ou sufocação (6,2%), além de meios diversos (5,5%).
Para Elisamara, a mulher deve tomar atitudes preventivas e evitar relacionamentos com homens que sinalizam a agressividade. “Outra postura importante a ser adotada é no fim do relacionamento. Acabou, não quer mais continuar com a pessoa? Então, encerra a conversa, não fica puxando papo ou tentando reaproximação, fazer ciúmes para provocar. Em geral o homem se sente enganado quando a ex tem essa conduta e depois aparece com outro”.
Embora entenda o que leva ao comportamento agressivo, a promotora reforça que não tem como explicar o aumento de mortes registradas em Cuiabá este ano. “O reflexo disso com certeza é o endurecimento da Lei 11.340, a Maria da Penha. Essas situações deixam a justiça mais atenta”.
A promotora aposta ainda na conscientização da mulher para minimizar a situação, uma vez que a lei Maria da Penha é aplicada com rigor. Programas e campanhas são realizadas e cartilhas distribuídas por várias instituições que buscam orientar vítimas. “A sociedade e as famílias precisam ter mais envolvimento com essas situações. Não podem ficar parados diante de uma violência doméstica. Devem denunciar sim, se intrometer, chamar a Polícia. Isso pode evitar mortes. A sociedade é muito pacata, espera acontecer o pior para se indignar e as pessoas nunca acham que aquilo vai acontecer com elas ou com alguém que está perto”.
O pai da estudante Ariely Lopes, 23, e avô do menino Emilton Jorge Neto, 4, o sargento da Polícia Militar, Emilton Jorge, está entre os familiares de vítimas que jamais imaginaram se ver em meio a uma tragédia promovida pela violência doméstica. No dia 1 de novembro, mãe e filho foram mortos a tiros dentro de casa no bairro Serra Dourada, em Cuiabá, pelo ex-namorado de Ariely e pai da criança, Jeanderson Xavier Rangel, 23.
Em depoimento o acusado confessou os crimes e disse que matou a estudante porque se sentia pressionado pela suposta gravidez da vítima e o pedido da atual namorada para que assassinasse a ex. Jeanderson garante que a morte do filho foi acidente. O tiro que atingiu a cabeça do menino era para ferir a mãe.
Estudante do curso de Direito, Emilton conta que o trabalho de conclusão de curso que está desenvolvendo é relacionado a violência doméstica e nunca imaginou que teria uma caso dentro da própria residência. “Durante a pesquisa sempre fiquei assustado com aqueles números, com as situações, mas jamais imaginei que isso aconteceria com a minha família”.
Emilton avalia ainda que as pessoas precisam conhecer melhor com quem se relacionam, saber de que família, os hábitos, as condutas dentro de casa. “Se olhássemos melhor para quem são as pessoas que colocamos dentro de casa, muito sofrimento seria evitado. Hoje, os jovens conhecem os outros e vão logo ficando, como dizem. Acho que o certo era como antes, conhecia a família e sabia com quem estava mexendo. Se o homem tem em casa um histórico de violência doméstica, ele vai achar normal bater na esposa”.