Há poucos meses, oito contêineres provenientes da China desembarcaram no Porto de Itaguaí (RJ). A nota fiscal que acompanhava a mercadoria indicava tratar-se de guarda-chuvas. Ao abrir os contêineres, contudo, os fiscais encontraram nada menos que 160 mil pares de sapatos. Em outra investida, descobriu-se que caixas com tênis chineses entram no país como se fossem canetas. Embalagens com registro de apenas um par de sapatos trazem, na verdade, 12 pares. Ou seja – um é legal e 11 são ilegais. Jeans chineses são vendidos como se fossem retalhos. E, no Mato Grosso, centenas de carretas provenientes do Chile e da Bolívia ingressam no Brasil diariamente trazendo confecções chinesas contrabandeadas.
A mistura de produtos que entram legalmente no país (os made in China costumam ser até 30% mais baratos que os similares nacionais) com o contrabando que não pára de crescer não deixa dúvida: 2006 foi realmente o ano do dragão no Brasil. Um dragão mais perigoso que se imaginava. O país está inundado de produtos asiáticos, atingindo em cheio setores estratégicos e intensivos de mão-de-obra da indústria nacional, como eletroeletrônicos, eletrodomésticos, roupas, calçados e máquinas pesadas. O modus operandis do contrabando e os estragos que os produtos chineses têm feito em Minas e no Brasil estão descritos no relatório final da comissão da Assembléia Legislativa, que investigou o assunto de junho a dezembro deste ano.
“A maioria dos calçados que vêm da China chega com nota fiscal de US$ 1, quando o preço real seria de US$ 6”, disse, à comissão legislativa, o presidente do Sindicato da Indústria de Calçados. À mesma comissão, o empresário Aguinaldo Diniz Filho, presidente da Cedro, uma das maiores indústrias têxteis do país, denunciou a entrada ilegal de produtos chineses confeccionados em caminhões proveniente de Chile e Bolívia, que entram no Brasil através das longas e pouco vigiadas fronteiras do Mato Grosso.
Nesse caso, há também o dumping. Segundo o Global Trade Information System-China Customns (ALICE), do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, os produtos têxteis e de confecções da China são vendidos no Brasil a preços 64% inferiores aos que são comercializados com os Estados Unidos. Some-se a isso o contrabando e chega-se a uma perda de R$ 584 milhões em impostos e 28 mil empregos.
Perda maior
Na área de óculos, o estrago é igualmente avassalador. Segundo representantes do setor – e também em depoimento à comissão –, cerca de 45 milhões de óculos de sol entraram no Brasil este ano, acarretando perdas de R$ 414 milhões em impostos e o fechamento de 50 mil postos de trabalho. Ou seja, em apenas dois setores (têxteis e ótico), o dragão chinês já provocou perdas de R$ 1 bilhão e 80 mil empregos. Segundo o Instituto Etco, o Brasil perde cerca de US$ 10 bilhões por ano em contrabandos.
“O Brasil já teve 300 fábricas de armação de óculos. Hoje, esse número não chega a 35”, diz o relatório da Assembléia. O quilo do produto é vendido a US$ 0,80 – e é sobre esse valor que os impostos são cobrados. “A cada R$ 1 milhão em óculos que entram de forma ilegal, são perdidos 1,2 mil empregos diretos. Para cada óculos chinês vendido a R$ 13 nos camelôs ou feiras, R$ 9 são sonegados”, alerta o documento.
No setor de máquinas pesadas, a situação não é diferente. Segundo o relatório da Assembléia, as importações da China aumentaram 4.027% de 2001 a 2006, ao passo que, no mesmo período, as exportações cresceram apenas 85%. Este ano, as vendas mineiras de máquinas pesadas para a China somaram US$ 5,1 bilhões. Já as importações totalizaram US$ 74,2 bilhões.