A incidência de estupro de mulheres, alguns na condição de vulnerabilidade, levou a Delegacia Especializada de Defesa da Mulher (DEDM) de Cuiabá a criar o Núcleo de Atendimento a Violência Sexual. Em funcionamento desde o mês de março, o núcleo atendeu 31 casos gerais de estupros até o mês de junho.
Entre as ocorrências, estão casos de mulheres em condições vulneráveis que foram violentadas depois de serem dopadas em locais públicos como festas ou boates e lavadas para outro lugar, onde acordam no dia seguinte ou horas depois percebendo que foram estupradas.
A delegada da Polícia Civil, Jozirlethe Magalhães Criveletto, titular da DEDM, explica que a Delegacia tem observado muitos casos com a mesma narrativa, de vítimas que contam terem sido violentadas e, em alguns, não somente por um homem, mas por mais de um agressor. “O que chama a atenção da vítima é que quando recobra a consciência está sem as vestes, com escoriações pelo corpo e na área genital. Ela entende que foi violentada”.
Conforme a delegada, muitos homens tem se valido da condição vulnerável da vítima para cometerem estupros. “Temos percebido que, infelizmente, os homens, esses agressores, abusadores têm-se valido dessa condição. E, não estamos falando de abusadores com menor poder aquisitivo ou de uma camada social mais vulnerável financeiramente. Estamos falando de pessoas dentro de empresas ou universidades, onde tem ocorrido isso”.
O estupro de vulnerável na condição de vulnerabilidade da vítima é considerado aqueles casos em que a vítima está em uma festa, por exemplo, ingerindo bebida alcoólica, e pessoas más intencionadas colocam alguma substância na bebida, com a intenção de aproveitar da fragilidade da vítima e cometerem abusos sexuais.
“Nos últimos casos atendidos, o autor não conhece a vítima, que perde a consciência e ele ou um grupo de pessoas a leva para outro lugar e a violenta sexualmente. No outro dia ou horas depois a vítima acorda e não se lembra de nada do que aconteceu”.
O crime de vulnerável é tipificado criminalmente pelo Artigo 217-A do Código Penal, com pena de 8 a 15 anos. No caso da vítima maior de 14 anos, o crime está relacionado à situação de vulnerabilidade (medicada, dormindo ou quando não possa oferecer resistência).
No entanto, a punição também está condicionada à análise das circunstâncias do fato. Se a vítima foi ludibriada, enganada pelo autor a ingerir alguma bebida do tipo “boa noite cinderela” está tipificado no Artigo 215 (ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima), com pena de reclusão de 2 a 6 anos.
Como há diferenças nos enquadramentos, a Delegacia da Mulher investiga cada caso para ser tipificado o crime de estupro, seja estupro de vulnerável ou até mesmo violação sexual mediante fraude definidos nos Artigos 213, 215 e 217-A do Código Brasileiro Penal, a depender da análise das circunstâncias da violência sexual.
O estupro, crime hediondo praticado, principalmente quando praticado na condição vulnerável da vítima, está relacionado à ‘cultura do estupro’, que ainda está enraizado na sociedade.
Para a delegada, Jozirlethe Magalhães Criveletto, apesar de ter entendimento que o crime é um dos piores a ser praticado contra uma pessoa, a sociedade ainda se vê incrédula para acreditar que realmente acontece dessa forma e até enxerga com certa naturalidade ou se questionando se a ação criminosa não foi provocada pela vítima porque ela estava se divertindo em uma festa, bebendo e ou mesmo usando uma roupa sensual.
“Esse é o crime que mais se culpabiliza a vítima. É o tipo de crime, que mais a sociedade se pergunta e se questiona sobre o comportamento da vítima e não o comportamento do autor”.
Questionamentos levantados por algumas pessoas são típicos de uma sociedade que vive a cultura do estupro, como explica a delegada Jozirlethe. “O que seria essa cultura? São pensamentos veiculados colocando a vítima numa situação discriminatória. São pensamentos misóginos que tem esse caráter de discriminação contra a mulher e acaba culpabilizando a vítima e não o autor”.
O mesmo questionamento referente ao comportamento da mulher indagando porque ela se deixou embriagar não é feito para o homem, que se estivesse na mesma condição dificilmente seria violentado. “Ninguém pergunta como esse autor se utilizou dessa fragilidade para poder praticar o ato sexual. É uma sociedade que não consegue ainda entender, que mesmo uma mulher bebendo ela tem o direito de estar embriagada sem ser violentada”, questiona a delegada.
“Quanto mais você tem uma sociedade que culpabiliza a vítima, menos denúncia haverá. A vítima se sente atemorizada até por esse julgamento que vão fazer e passa a não procurar ajuda para denunciar”.
Inicialmente o atendimento, na Delegacia da Mulher é priorizado a coleta de provas técnicas, como material genético, durante o exame pericial, que vai subsidiar a investigação para futura responsabilização do agressor. Em seguida, são tomadas providências no sentido de assegurar a saúde da vítima. A mulher é encaminhada ao Hospital Júlio Muller – unidade de referência para o atendimento à vítima de violência sexual. No hospital são ministrados coquetéis para evitar a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis e também a pílula do dia seguinte para inibir possível gravidez.
Retornando a Delegacia, a mulher passa pelo atendimento da equipe psicossocial, realizado atualmente por uma estagiária de psicologia da Faculdade de Cuiabá (FAUC), que oferece suporte imediato à vítima, a fim de deixá-la confortável para falar do fato.
Conforme a delegada, Jozirlethe Magalhães Criveletto, tomadas as providencias iniciais, é necessário também cuidar dos danos psicológicos que a violência psicológica causa. “ Essas profissionais também fazem uma triagem e se entenderem que a vítima precisa fazer tratamento e prolongar o aconselhamento, elas encaminham para uma clínica médica, ligada à faculdade. Hoje temos a possibilidade de atender melhor essa vítima que chega à Delegacia”.
De janeiro a junho de 2017, a Delegacia Especializada de Defesa da Mulher (DEDM) de Cuiabá instaurou 1.471 inquéritos policiais para apurar violência contra mulheres e também pessoas idosas, que é gerenciado pelo Núcleo de Violência Contra Idosos de Cuiabá, instalado dentro da DEDM.
Para as Varas de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, em seis meses, foram encaminhados 992 inquéritos concluídos e formalizados o procedimento de requisição de 773 medidas protetivas da Lei Maria Penha.