Nas décadas de 60/70 do séc. XX, a Guerra do Vietnam foi um conflito que envolveu franceses, americanos e norte-vietnamistas; fala-se entre 30 a 50 mil mortes. No Brasil, nós temos nossa “guerra civil” não declarada. Um relatório elaborado pela Human Rights Watch (HRW), organização com sede em Nova York, em fins do ano passado, aponta que o crime e a violência urbana deixam 50 mil mortos ao ano no Brasil. Segundo o texto, os crimes acontecem em um ambiente em que policiais se envolvem em práticas abusivas, como tortura, extorsão e intimidação. A organização aponta que as regiões metropolitanas do País estão assoladas pela violência gerada por gangues, policiais abusivos e, no Rio de Janeiro, por milícias possivelmente vinculadas à polícia. Citando estimativas oficiais, o relatório aponta que a polícia matou 694 pessoas nos primeiros meses do ano passado no Rio de Janeiro, um terço a mais que no mesmo período de 2006. Em São Paulo, policiais mataram 201 pessoas no primeiro semestre, enquanto 15 policiais foram mortos no mesmo período. “Policiais abusivos são raramente punidos, e os abusos são algumas vezes justificados pelas autoridades como um produto inevitável dos esforços para combater as altas taxas de criminalidade no Brasil”, afirma o texto. A violência também acontece em prisões superlotadas, onde 651 pessoas foram mortas enquanto estavam detidas nos primeiros quatro meses de 2007, disse o HRW.
O Brasil tinha 419.551 detentos em junho do ano passado, ultrapassando a capacidade do sistema prisional em aproximadamente 200 mil pessoas, indicou o estudo, citando o Departamento Penitenciário Nacional. O relatório diz que rebeliões geraram mortes em prisões superlotadas, onde detentos são mantidos em condições desumanas. Como fato positivo, o estudo destaca a condenação de três pessoas pelo assassinato em 2005 da missionária Dorothy Stang devido a sua luta pela reforma agrária. O texto aponta, por outro lado, que o País nunca processou os responsáveis pelas atrocidades cometidas durante o regime militar, embora tenha determinado em 2007 que as Forças Armadas abram arquivos confidenciais para saber o que aconteceu com os corpos dos que morreram ou “desapareceram” durante o envio de tropas para combater a guerrilha do Araguaia, em 1971. O documento recomenda 16 medidas que o governo brasileiro deve tomar nos casos de tortura envolvendo policiais. Entre elas, o relatório aconselha que as denúncias de abuso devam ser tratadas rapidamente e que as investigações devem ser feitas de forma imparcial, em órgãos criados especialmente para este fim. O relatório explica que “a natureza corporativa das corregedorias implica que os policiais não estão dispostos a investigarem os próprios colegas”. Apesar das críticas, o relatório aponta que o governo fez investimentos para melhorar a situação dos presídios. Dados contidos no documento indicam que, em 2006, foram investidos R$ 75,5 milhões para a mudança de equipamento nos centros penais.
Além disso, o relatório também destaca os esforços do governo para expandir o sistema penitenciário do país. Segundo o documento, em 2006, o governo investiu R$ 170 milhões para criar 7.720 novos centros de detenção. Apesar de o governo brasileiro ter feito esforços para tratar dos abusos de direitos humanos, raramente aponta os responsáveis”, afirma o relatório. Um documento para ser lido e analisado, com cuidado, por todos os segmentos envolvidos- policiais, operadores do Direito, organizações sociais- ouvidorias, enfim, todos os que se preocupam com a dignidade humana- do preso e do policial; pois, afinal de contas, queira-se ou não, ambos são cidadãos.
(*) Auremácio Carvalho é advogado e sociólogo; é Ouvidor de Polícia de Mato Grosso