Nos últimos dias, o Brasil tem acompanhado com inquietação a hipótese de um “tarifaço” promovido pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, como forma de retaliação pelas ações judiciais em curso contra o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Para alguns grupos, trata-se de uma resposta em defesa de um aliado político. No entanto, tal narrativa, além de carecer de respaldo oficial, distorce os fatos e revela um esforço para um revisionismo histórico que trataremos a seguir. Mas antes, é preciso dizer que com o “tarifaço” o hamburguer nos Estados Unidos ficará mais caro!
É fundamental esclarecer: o ex-presidente não está sendo responsabilizado por suas opiniões políticas, tampouco por ter disputado eleições. Ele responde, na esfera judicial, por atos concretos e gravíssimos, praticados durante e após seu mandato, e a responsabilização é parte essencial do funcionamento de qualquer democracia séria.
Após a derrota nas eleições de 2022, o ex-presidente questionou reiteradamente, e sem provas, a integridade do processo eleitoral brasileiro. Esse comportamento fomentou uma onda de desinformação e culminou, em 8 de janeiro de 2023, em um ataque sem precedentes às instituições democráticas, com a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Investigações em curso apontam para possíveis articulações de ruptura institucional, com indícios preocupantes de que autoridades da República estariam entre os alvos de ações extremistas, inclusive marcados para morrer. Isso é coisa de ditadura, não de democracia!
No campo da saúde pública, a postura do ex-presidente durante a pandemia de Covid-19 foi igualmente danosa. O atraso na compra de vacinas, a defesa de medicamentos ineficazes e o desprezo pelas recomendações científicas não só agravaram a crise sanitária como contribuíram para perdas humanas irreparáveis. Tais escolhas configuram uma responsabilidade histórica que não pode ser esquecida.
Diante desse cenário, soa imprudente, e até ofensivo à soberania nacional, a ideia de que um chefe de Estado estrangeiro possa tentar intervir nos processos institucionais do Brasil em nome de amizade e supostas alianças pessoais.
A imprudência aflora quando se trata de Donald Trump, que enfrenta ele próprio uma série de acusações em seu país, que vai desde a retenção ilegal de documentos sigilosos a tentativas de subversão do resultado eleitoral de 2020.
Coincidência ou não, fato é que dois anos antes da depredação das sedes dos Três Poderes, em 6 de janeiro de 2021, os Estados Unidos viveram seu próprio episódio de ataque à democracia, com a invasão do Capitólio por apoiadores de Trump.
Vamos refrescar a memória do ocorrido lá: ao não concordar com o resultado das eleições centenas de apoiadores de Trump marcharam em direção ao prédio do Congresso americano. Eles furaram o bloqueio policial e invadiram o edifício. Os invasores destruíram diversos objetos, vários com significado histórico. Houve centenas de feridos e cinco mortes.
Pelo visto, a história, infelizmente, parece ecoar de forma tristemente idêntica lá e cá.
Não se trata, portanto, de perseguição política. Trata-se de prestar contas à Justiça, como deve ocorrer em qualquer Estado Democrático de Direito Sério. E não há tarifa, discurso inflamado ou solidariedade internacional que possa servir de escudo à responsabilização por ações que atentam contra a democracia.
Desse modo, o que está em jogo não é uma simples disputa de versões, mas a integridade das instituições, o respeito à Constituição, mesmo que desacreditada por muitos, e o compromisso com a memória coletiva.
Por fim, o Brasil precisa recordar, com lucidez e responsabilidade, os episódios que marcaram nossa história recente, inclusive a dor silenciosa de milhares de famílias que sequer puderam abrir a tampa do caixão para se despedir de seus entes queridos com dignidade. Isso também é parte da verdade que não pode ser negada e esquecida.