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Reforma administrativa e a volta do coronelismo ao Poder Público

Victor Saad Cortez é Procurador do Estado de Mato Grosso - [email protected]
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Após longo período de especulação, uma suspensão determinada pelo Presidente da República e muita controvérsia foi, finalmente, apresentada a reforma administrativa capitaneada pelo Ministério da Economia.

A intenção era trazer uma máquina pública mais moderna, eficiente e que prestasse um serviço público de melhor qualidade ao cidadão que custeia a duras penas todo Estado brasileiro. Intenção louvável.

Mas a proposta enviada ao Congresso Nacional não poderia ser pior.

A crítica não se faz apenas em razão de erros formais, de redação ou de técnica jurídica. A crítica advém do fato de que, aprovada a reforma, simplesmente teremos um Estado menos eficiente, mais sujeito a interferência política e com mais cabide de emprego.

A começar pelo fato da reforma administrativa trazer a previsão de um período de experiência para ingresso no serviço público.

Hoje, servidores ocupantes de cargos efetivos devem ser aprovados em concurso público e ficam sujeitos a um estágio probatório de 3 anos, durante os quais podem ser desligados da administração de forma simplificada se não tiverem desempenho satisfatório.

Com a reforma proposta, além dos sistemas já existentes, foi prevista uma fase adicional de 1 a 2 anos nos quais os candidatos em número superior ao número de vagas ofertadas já exercerão todas as funções do cargo, porém só será efetivada aquela parcela que se destacou entre os “trainees”, mesmo que não haja comprovação de mau desempenho dos demais.

A idéia de uma competição parece excelente, mas a triste realidade da administração pública mostra que os selecionados serão aqueles apadrinhados politicamente ou aqueles que exercem seus cargos sem contestar qualquer conduta do gestor, mesmo aquela de legalidade duvidosa.

A referida reforma ainda acaba com a estabilidade da maior parte dos agentes, permitindo que o funcionário já aprovado em estágio probatório seja exonerado mesmo que não tenha cometido infração apurada em processo disciplinar.

A PEC apresentada também propõe novo regramento para os cargos comissionados, agora chamados de liderança, ampliando a possibilidade de indicados políticos ocuparem também cargos “técnicos”, antes restritos a concursados, além de não mais impor que percentual dos cargos de chefia a ser obrigatoriamente ocupado por servidores efetivos.

Tanto o fim da estabilidade quanto a ampliação dos cargos de liderança de livre nomeação e exoneração pouco ou nada ajudam na prestação de um serviço público eficiente, mas abrem enorme espaço para desmandos, loteamento de cargos, compadrio e patrimonialismo.

Em interessante artigo sobre a realidade americana, o professor Jon D. Michaels publicou na revista de direito da universidade de Harvard resenha de obra que analisa a evolução do serviço público e conclui que institutos como o concurso e a estabilidade não surgiram por acaso ou por imposição de servidores pouco dedicados ao serviço.

Longe de ser invenção brasileira, normas semelhantes surgiram no mundo todo para evitar que funcionários fossem perseguidos por gestores contrariados em seus desmandos, para trazer forma impessoal de seleção de agentes públicos e para impedir o desmonte da um corpo técnico de servidores a ser substituído por aliados políticos ao fim de cada mandato ou governo.

A todos interessa uma administração mais eficiente, da mesma forma que liberais e desenvolvimentistas, lulistas e bolsonaristas, esquerda, centro e direita concordam que tal objetivo jamais será alcançado com a substituição de um regime que tolhe a independência técnica de servidores, que amplia o espaço para rachadinha de indicados políticos, que legaliza o desligamento do servidor sem o cometimento de falta grave.

Longe de trazer a administração do futuro, a reforma administrativa nos termos apresentados revive a máquina pública do passado, da república velha na qual os coronéis (até hoje circulando pelos corredores dos poderes) escolhem os protegidos que entram na administração por puro arbítrio e selecionam livremente os que, considerados como rivais, serão exonerados ou demitidos sem critério claro.

Para o bem da coisa pública, a reforma não deve prosperar.

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