O 13 de maio é uma data carregada de significados históricos e espirituais para o povo negro no Brasil. Marca a promulgação da Lei Áurea, em 1888, que aboliu formalmente a escravidão no país. Ao mesmo
tempo, é celebrado como o Dia dos Pretos Velhos — entidades cultuadas nas religiões de matriz africana, símbolos de sabedoria ancestral, resistência e cuidado. Contudo, mais de um século após o fim legal da escravidão, a população negra segue enfrentando desigualdades estruturais e violências cotidianas que denunciam o inacabamento da abolição.
A historiadora Luciana Brito, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, lança uma pergunta contundente: _“Que abolição é essa que veio sem cidadania, sem direito à escola, sem acesso à terra e sem emprego, mas trouxe violência e criminalização das pessoas negras e de suas práticas cotidianas e culturais?”_ Sua análise expõe a omissão do Estado brasileiro em reparar os danos causados por mais de três séculos de escravidão, perpetuando a exclusão social e econômica dos afrodescendentes.
A filósofa e escritora Djamila Ribeiro reforça esse diagnóstico ao afirmar que _“a escravidão estruturou o racismo no Brasil e fez as pessoas negras partirem de lugares muito diferentes em oportunidades”_. Ela ressalta que, mesmo após a abolição, não houve políticas reparatórias, o que resultou no empobrecimento histórico da população negra. Djamila também critica a ideia de democracia racial — um mito que, ao negar o racismo, inviabiliza o debate sobre ações afirmativas e justiça social.
Há cerca de uma década, escrevi o artigo _“Racismo: na era da informação a ignorância dando as cartas”_, no qual destaquei que o racismo é um sistema persistente de opressão. Nele, afirmei: _“A
população negra sofre um histórico de exclusão e violência que se atualiza, mesmo diante do fácil acesso à informação.”_ Ressaltei que, apesar do avanço tecnológico, o racismo continua se manifestando em formas veladas e explícitas — da negação de oportunidades à violência física.
Nesse mesmo texto, abordei as cotas raciais como uma medida necessária, ainda que insuficiente, de reparação histórica. Questionei: _“Quais são os passos concretos para alcançarmos algum grau de paridade na formação e na inserção dos negros na sociedade?”_ Essa reflexão segue atual e urgente, pois a efetivação de políticas públicas voltadas à equidade racial é indispensável para romper com o ciclo de exclusão.
Ao lado das lutas sociais e políticas, as religiões de matriz africana seguem resistindo e afirmando sua força. Alvo histórico de preconceito, perseguição e intolerância, essas tradições mantêm viva a ancestralidade africana e oferecem caminhos de acolhimento, cura e reconstrução identitária para milhões de brasileiros. Celebrar os Pretos Velhos neste dia é também reconhecer o papel espiritual e
cultural dessas religiões na preservação da dignidade do povo negro, mesmo diante da dor e da violência.
O 13 de maio, portanto, não deve ser tratado apenas como um marco legal da liberdade, mas como um convite à reflexão profunda sobre o Brasil que herdamos — e sobre o país que queremos construir. É preciso reconhecer que a liberdade proclamada em 1888 não significou igualdade real. A luta por justiça, dignidade e reparação histórica segue viva. Como bem afirma Djamila Ribeiro, a desigualdade deve incomodar a todos — e só será superada quando o compromisso com a equidade racial se tornar coletivo e permanente.
Salve os Pretos Velhos! Kaô Kabecilê Xangô! Que a sabedoria dos nossos ancestrais continue iluminando os caminhos da resistência e da esperança.