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Racismo ainda existe – com referência histórica

*Wilson Carlos Fuáh – É escritor, pesquisador e ativista cultural. Desenvolve projetos sobre história, identidade e justiça social em Mato Grosso, Graduado em Ciências Econômicas. - [email protected]
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É lamentável que, no século XXI, ainda sejamos obrigados a discutir o racismo como uma chaga aberta na sociedade brasileira. O racismo, longe de ser um problema do passado, permanece vivo, cotidiano e institucionalizado, impactando a vida de milhões de brasileiros negros e negras e dificultando a consolidação de uma sociedade verdadeiramente plural, justa e democrática.

O Tráfico e a Escravidão no Brasil: Um Crime Contra a Humanidade

Entre os séculos XVI e XIX, o Brasil recebeu cerca de 4,8 milhões de africanos escravizados — o maior número entre todas as colônias do continente americano, segundo dados do Trans-Atlantic Slave Trade Database. Eles foram arrancados à força de seus territórios, culturas e famílias, e submetidos a condições degradantes nos porões dos navios negreiros — os chamados “tumbeiros” — onde milhares morriam antes mesmo de chegar ao destino.

Os sobreviventes desembarcavam em portos como o do Rio de Janeiro, Salvador, Recife e São Luís. Aqui, eram vendidos como mercadorias e submetidos a um sistema brutal de trabalho forçado, especialmente nas plantações de cana-de-açúcar, nos engenhos, nas minas e nas construções urbanas.

A violência era cotidiana: chicotes, troncos, pelourinhos, mutilações e estupros faziam parte do terror imposto pelos senhores e feitores. A alimentação era escassa, as vestimentas precárias e a liberdade de expressão cultural — seja na religião, na língua ou na música — era sistematicamente reprimida.

A Luta pela Liberdade: Quilombos e Resistência

Apesar da opressão, os africanos e seus descendentes resistiram de diversas formas. A mais conhecida foi a formação de quilombos — comunidades autônomas formadas por escravizados fugitivos e, muitas vezes, por indígenas e brancos pobres. Esses espaços não eram apenas de refúgio, mas também de organização social, econômica e espiritual baseada em valores africanos.

O Quilombo dos Palmares, localizado na Serra da Barriga (atual Alagoas), foi o mais emblemático. Fundado no final do século XVI, chegou a abrigar cerca de 30 mil pessoas. Sob a liderança de Ganga Zumba e, posteriormente, de Zumbi dos Palmares, o quilombo resistiu heroicamente a diversas expedições militares. Zumbi foi morto em 20 de novembro de 1695 — data que hoje simboliza o Dia da Consciência Negra.

Em Cuiabá, destaca-se a figura de Mãe Bonifácia, uma mulher negra, curandeira e benzedeira que, segundo a tradição oral, abrigava escravizados fugitivos em uma mata onde hoje está localizado o Parque Mãe Bonifácia. Sua memória foi eternizada graças a mobilizações populares e ao reconhecimento histórico de sua importância para a resistência negra na região.

A Abolição Incompleta: A Lei Áurea e o Racismo Estrutural

A Lei Áurea, assinada em 13 de maio de 1888, aboliu oficialmente a escravidão no Brasil. No entanto, ela não previu qualquer medida de reparação ou inclusão dos ex-escravizados na sociedade. Sem terras, sem educação, sem emprego e sem direitos civis básicos, milhões de negros foram jogados à própria sorte, o que abriu caminho para a formação de favelas e a marginalização social e econômica que persiste até hoje.

O racismo, portanto, se tornou estrutural: ele não está apenas nas atitudes individuais, mas também nas instituições, nas políticas públicas, no sistema de justiça, na mídia, nas escolas e no mercado de trabalho.

O Racismo Hoje: Disfarces e Feridas Abertas

Ainda hoje, o preconceito racial se manifesta de diversas formas: do olhar desconfiado no supermercado às abordagens violentas da polícia; da ausência de professores negros nas universidades à maioria negra nas prisões; dos menores salários à escassa representação política.

Segundo dados do IBGE (2022), pessoas negras no Brasil recebem, em média, 40% menos que pessoas brancas. A taxa de analfabetismo entre negros é duas vezes maior, e o índice de homicídios de jovens negros é três vezes superior ao de jovens brancos. Essas desigualdades não são naturais — são fruto direto de séculos de exclusão racial e ausência de reparação histórica.

A Caminho da Igualdade: Luta e Esperança

Apesar de tudo, há avanços. As políticas de ações afirmativas, como as cotas raciais nas universidades e concursos públicos, vêm contribuindo para o acesso de mais negros ao ensino superior e ao mercado de trabalho qualificado. A valorização da cultura afro-brasileira, a ampliação dos movimentos negros, a visibilidade de intelectuais, artistas e líderes políticos negros são sinais de resistência e transformação.

Mas ainda há muito a ser feito. É urgente promover uma educação antirracista, reconhecer o valor da cultura negra e garantir igualdade de oportunidades reais.

Acima de tudo, é preciso lembrar: racismo é crime (Lei nº 7.716/1989 e artigo 5º da Constituição Federal). E deve ser combatido com coragem, consciência e compromisso de toda a sociedade.

Conclusão

Sonhamos com o dia em que negros e negras — que formam, junto com os pardos, a maioria da população brasileira — possam viver em um país onde a cor da pele não determine o destino de ninguém. Um país em que a justiça, a dignidade e o respeito não sejam privilégios, mas direitos efetivos de todos

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