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O que se lê e ouve nos últimos dias a respeito da proposta de prorrogação da CPMF não é novidade. Em 1999 também houve momento semelhante. Vamos tentar discorrer o que se passou naquela ocasião, já que estávamos sob a mesma Carta Magna (CF/1988) nos dois momentos, tanto em 1999 como agora em 2007.

Naquele ano (1999) o Poder Executivo — época em que o partido governista era o agora oposicionista, e que neste momento, apesar de estar fazendo um “charme” contra a CPMF, vem participando de negociatas para aprovar a prorrogação — visando atender a urgência de que o conhecido “FMI” (Fundo Monetário Internacional) impôs à “reforma fiscal” no Brasil, pressionou o Congresso Nacional e este, ansioso para atender a todas as exigência daquele famigerado organismo financeiro internacional, o nosso poder legislativo, na pressa, deixou de atender a diversos princípios insculpidos no ordenamento jurídico pátrio, dentre eles o da estrita Legalidade. Como um rolo compressor, passou por cima de princípios e aprovou a prorrogação. Vamos discorrer sobre o ocorrido, para que fiquemos atento ao que poderá ocorrer nos próximos dias. Eis os fatos.

Nos idos de 1999, o Texto Constitucional objeto da emenda discutida e votada pelo Congresso são os dos ADCT, aos quais teve a inclusão de um novo artigo, o de número 75, verbis:

“Art. 75 – É prorrogada, por trinta e seis meses, a cobrança da contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direito de qualquer natureza financeira, de que trata o artigo 74, instituída pela Lei 9.311, de 24 de outubro de 1.996, modificada pela Lei 9.539, de 12 de setembro de 1.997, cuja vigência é também prorrogada por igual prazo”.

Apenas para deixar clara a intenção do constituinte derivado, o mens legis, é de transcrever o texto do artigo 74, a que se refere a outorga da prorrogação:

“Art. 74 – A União poderá instituir contribuição provisória sobre movimentação ou transmissão de valores e de créditos e direitos de natureza financeira”.

Ora, o Princípio da Legalidade (Inciso I do artigo 5º e Inciso II do artigo 150, da Constituição Federal de 1.988), é uma garantia constitucional inegociável. O que não está na lei não está no mundo! Ei-lo:

“Art. 150 – Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao distrito Federal e aos Municípios:

I – Exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”

Como se depreende da análise do dispositivo acima, a fim de se instituir tributo e/ou contribuição havia e há necessidade, dentre outras exigências, que se observe o princípio da legalidade, nos precisos termos do art. 150, I, da Constituição Federal transcrito.

Em matéria tributária vigora o princípio da estrita legalidade, segundo o qual todos os aspectos da hipótese de incidência, dentre eles a alíquota, devem estar previstos em lei. Acerca do tema, ao estudar o princípio da estrita legalidade em matéria tributária, Alberto Xavier nos ensina:

“A idéia de que em matéria de tributos a lei é o único instrumento de realização da justiça material não podia conduzir apenas a proclamação de uma reserva de lei formal, com as correspondentes exclusões do costume e do regulamento. Tornava-se ainda indispensável que essa mesma lei disciplinasse os atos do poder administrativo de uma forma tão completa que a expressão da justiça estivesse por inteiro contida nos termos da lei, em exclusão de qualquer margem de arbítrio dos órgãos de aplicação do direito”. (“Os Princípios da Legalidade e Tipicidade da Tributação”, RT/SP, 1978, p. 36/38” ).

Com efeito, a ninguém é dado conhecer, no Direito Brasileiro, que a indicação do contribuinte e do responsável tributário há de ser efetuada por Lei. Isto porque somente a Lei pode criar ou aumentar tributo, estatui a nossa Carta Magna, em seu artigo 150, inciso I.

O próprio Código Tributário Nacional vigente na época e ainda em vigor, de forma bastante didática, melhor explicita o conteúdo do referido preceito, “verbis”:

‘Art. 97 – Somente a LEI pode estabelecer:

III – A definição de fato gerador da obrigação tributária principal (…..) e do sujeito passivo;

IV – a fixação de alíquota do tributo e de sua base de cálculo.

……………………………………………………………………………………

Art. 128 – Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a LEI pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.”

Nesse passo, convém que se traga, para melhor demonstrar o alcance do referido princípio, a conhecida e multimencionada lição de Alberto Xavier:

“Se o princípio da reserva de lei formal contém em si a exigência da “lex escripta”, o princípio da reserva absoluta coloca-nos perante a necessidade de uma “lex spcrita”; a lei deve conter em si mesma todos os elementos da decisão no caso concreto, de tal modo que não apenas o fim, mas também o conteúdo daquela decisão sejam por ela diretamente fornecido. A decisão do caso concreto obtêm-se, assim, por mera dedução da própria lei, limitando-se o órgão de aplicação a subsumir o fato na norma, independentemente de qualquer violação pessoal”. (Op. Cit., pg. 37).

Não pairou nenhuma dúvida, no sentido de que somente a lei pode dispor sobre o sujeito passivo da obrigação tributária ou seu substituto. Semelhante lei, todavia, não foi editada, na hipótese vertente. E nenhum ato, senão a lei, poderá validamente criar, modificar ou deslocar a responsabilidade tributária. É o rígido princípio da legalidade. Sem obediência a princípios, a Constituição vira letra morta. Importantíssimo também é destacar a diferença entre o papel da norma constitucional e o papel da LEI em sentido estrito: enquanto a primeira outorga competência impositiva, a segunda institui o tributo ou contribuição.

A edição da EC 21/1999 outorgadora de competência impositiva à União, de per si, não recriou a CPMF. Fazia-se necessário então a edição de uma lei, ao reclamo do princípio constitucional contido no artigo 150 já mencionado.

Na verdade, o que aconteceu com a EC 21/1999 quando estabeleceu que “É prorrogada, por trinta e seis meses, a cobrança da contribuição provisória….”, o texto constitucional fez foi prorrogar a outorga de competência, não a imposição tributária em si.

Exatamente nesse sentido, a intenção do constituinte derivado foi clara, preservando a técnica legislativa. O parágrafo 1º em seguida estatuiu:

“Observado o disposto no parágrafo 6º do artigo 195…”, deixa claro que a outorga da competência não dispensou a competente lei ordinária.

Nos termos do parágrafo 6º do artigo 195 da CF/1988, as contribuições sociais somente poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado. E a noventena já foi pro espaço.

Da leitura dos artigos 150 e 195 da Carta Magna, é hialino que o constituinte originário não prescinde da lei para a instituição ou modificação de Tributo ou Contribuição.

Entretanto, é de salientar que a parte final do texto do artigo 75 da ADCT deveria ter produzido efeitos em um período certo de tempo, ressaltando, porém, que o projeto de Emenda fora enviado ao Congresso Nacional quando ainda em curso o período da cobrança previsto na Lei 9.537/1997.

As sucessivas demoras na votação fizeram com que sua parte final perdesse — do ponto de vista legal — a sua eficácia, vez que fizera referência a um diploma legal que não mais existia no mundo da eficácia jurídica.

De fato, ao ser alterado do Texto da Constituição, seria necessário a edição de Lei competente porque o dispositivo contido na Lei 9.539/1997, de eficácia Certa no Tempo, há havia perdido seus efeitos por ocasião da edição da EC 21/1999 e não poderia ser prorrogado, uma vez que, no direito pátrio, inexistente o fenômeno da repristinação, conforme previsto no artigo 2 do Código Civil vigente na época.

Por sua vez, o dispositivo constitucional, ao prorrogar a cobrança, não pode ser interpretado como destinado a prorrogar a vida de um outro diploma legal já inexistente. Isto porque prorrogar é fazer durar além do prazo estabelecido, ou seja, alongar, dilatar um prazo estabelecido, conforme definição de Aurélio Buarque de Holanda, em seu Novo Dicionário Aurélio, 2º Ed., RJ, pela Nova Fronteira.

Deste modo, tornou-se impossível fazer a prorrogação da Lei de 9.539/1997, além do prazo pré-estabelecido em si mesma, porque não se pode prolongar o que não existe. Isto porque a CPMF não existia desde 23 de janeiro de 1999 e a eficácia da EC 21/1999 foi a partir de 17 de junho de 1999, quase seis meses após. Acreditem, o Congresso da época o fez.

Debaixo do princípio constitucional da estrita legalidade, somos impedidos de qualquer outra interpretação. Por tudo isto, podemos asseverar que o intervalo de tempo de noventa dias relativo à aplicabilidade da contribuição não começaria a fluir enquanto não cumprida a atividade legislativa competente, conforme aqui referido.

O texto da EC 21/1999 prorrogava a cobrança da CPMF a que se refere o artigo 74 (alterando, portanto, o texto da Constituição) e da vigência da lei por 36 meses (alterando o texto da lei). Porém, é bom citar que a vigência da Lei está explícita em seu artigo 3º, enquanto o período de cobrança está em seu artigo 1º.

Vejamos:

“LEI 9.539, de 12.12.97 – DOU de 15.12.97.

Art. 1º – Observadas as disposições da Lei nº. 9.311, de 24 de outubro de 1.996, a Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira – CPMF, incidirá sobre os fatos geradores ocorridos no prazo de vinte e quatro meses, contado a partir de 23 de janeiro de 1.997.

(………………………….)

Art. 3º – Esta Lei entra em vigor da data de sua publicação.”

O texto da EC 21/1999 prorrogou a vigência da lei (artigo 3º) mas não altera o seu artigo 1º, que estabeleceu o período da cobrança. Em virtude da situação na época, fazia-se necessário de edição de nova lei ordinária para instituição do tributo/contribuição pretendido (CPMF).

É bem de se ver que, no caso de se firmar entendimento pela validade da cobrança da CPMF com fundamento na supramencionada lei, o intérprete deveria superar alguns obstáculos, tais como:

a) O texto da EC 21/1999 alterou o texto da CF/1988, porém não alterou o texto da Lei.

b) Em assim sendo, teríamos que aceitar – por analogia – que o texto da lei passaria a vigorar com o texto da EC 21/1999, o que é proibido pelo princípio da estrita legalidade.

c) Em 17.06.1999, ocasião da vigência da EC. 21/1999, o texto da LEI ordinária já não mais existia. Pasmem! E Poder Judiciário chancelou a lambança ocorrida no Congresso.

d) Desse modo, ter-se-ia de fazer uma interpretação extensiva para entender, em lugar de prorrogar, repristinar, ressuscitando uma lei morta, violando — mais uma vez — o princípio da estrita legalidade.

Não é possível prolongar a vida de um doente já morto, sem fôlego de vida.

Apenas ad argumentandum, ainda que superados todos os argumentos anteriores, restar-nos-ia uma questão também considerada intransponível: O da alíquota. Isto porque o parágrafo 1º do artigo 75 da ADCT — na redação da EC 21/1999 – estabeleceu que:

“Observado o disposto no parágrafo 6º do artigo 195 da Constituição Federal, a alíquota será de trinta e oito centésimos por cento (…) facultado ao Poder Executivo reduzi-la total ou parcialmente, nos limites aqui definidos”.

Assim, ficou claro que a alíquota de 0,38% era o limite, devendo uma lei estabelecê-la (artigo 195, parágrafo 6º, da CF/1988) para eficácia noventa dias após a publicação da LEI respectiva, o que não ocorreu na época. Várias discussões judiciais aconteceram, em vão. Os contribuintes foram derrotados. Apesar da faculdade que a Constituição criou, não se viu redução total ou parcial da alíquota da CPMF. Mas o Governo poderia fazê-lo…. principalmente aqueles – da época – que agora são oposição. Verifica-se que nenhuma lei fora editada estabelecendo a alíquota de 0,38% (alíquota máxima). Como poderia o Poder Executivo iniciar a cobrança da CPMF no dia 19.06.1999?

Seria o caso, se aceitássemos esta aplicabilidade das finadas leis de números 9.311/1996 e 9.539/1997, e de se impor, igualmente, a incidência da alíquota prevista naqueles diplomas já falidos, ou seja, de 0,25%, conforme previsto no artigo 7ª da Lei 9.311/1996.

Apesar desse samba do crioulo doido protagonizado pelo legislativo, o Poder Judiciário, na época, referendou o resultado dos conchavos executivo — legislativo –FMI. Já a CPMF, passados oito anos e novos governantes, passa por embrólio parecido, para que seja aprovada mais uma prorrogação. É bom ficarmos atentos para evitar que aqueles fatos não se repitam. Nossa democracia precisa amadurecer, pois nossa Carta Magna já atingiu a maioridade.

Dói lembrar que a CPMF fora criada para acabar com o caos da saúde pública, que existia lá no século passado, objetivando arrecadar dois bilhões de reais/ano para cobrir a lacuna do orçamento. A contribuição nasceu provisória!

A finalidade do aqui discorrido e mostrar que uma reforma tributária, urgente e profunda, é o que nos sinaliza o momento.

Diante de tanta dificuldade (aparente) para a (re)aprovação da prorrogação da CPMF, porque não se faz um plebiscito — já que não temos o FMI pressionando — indagando ao povo se ainda quer continuar contribuindo — via CPMF — para ter o bom sistema de saúde que lhe é oferecido em troca! A hora é agora.

Roberto Rodrigues de Morais é especialista em Direito Tributário
Revista Consultor Jurídico, 1 de dezembro de 2007

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