sexta-feira, 29/março/2024
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Proteína animal, sustentabilidade e Ministério Público

Edmilson da Costa Pereira é procurador de Justiça e titular da Procuradoria de Justiça Especializada da Cidadania e do Consumidor
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A imprensa brasileira divulgou nos últimos dias, o aumento substancial no preço da arroba da carne bovina, em face do incremento das exportações do produto. Ao mesmo tempo, mereceu destaque nos meios de comunicação e nas redes sociais, a iniciativa de uma Promotora de Justiça da Bahia que, atuando em municípios com baixo IDH, ajustou com as gestões municipais a progressão no escopo de introduzir, nas escolas, um cardápio vegetariano para a alimentação escolar, em cumprimento a diretriz institucional de priorizar ações voltadas para a sustentabilidade.

Em uma análise superficial das notícias, questiona-se como é que o Estado Brasileiro, pelos seus diversos segmentos, adota uma política de expansão externa da comodities “boi gordo” e induza, por meio da ação de um órgão de controle da administração pública, a conscientização de crianças e adolescentes para a necessidade de redução no consumo de proteína animal, em parcela de uma unidade da Federação. Para a compreensão das questões é preciso entender os fatores que motivam e norteiam a política externa; as normas do comércio exterior e, sobretudo, como avançar no processo educacional para construção de uma Nação efetivamente sustentável ambientalmente.

Por absoluta insciência com o tema, deixo de lado o enfoque globalização/comércio exterior e ouso discorrer, sem grandes preocupações acadêmicas, sobre a iniciativa do Ministério Público Baiano que considero oportuna, porém, salvo engano, instituída sem maiores estudos sobre a realidade e sem a definição previa de indicadores de esforços e resultados.

O Jornal GAZETA DO POVO, na edição de 18 de novembro de 2019, estampa manchete destacada da entrevista com a Promotora de Justiça e ressalta no corpo na notícia que : “…a iniciativa, pouco compatível com a realidade local, não parte das próprias cidades, é uma diretriz do Ministério Público baiano, estabelecida em 2018, após os municípios serem alertados e “convidados” a assinarem um termo de ajustamento de conduta. Isso, sobretudo, em prol da sustentabilidade. Na prática, as escolas estão retirando carnes, ovos e leite do cardápio escolar. Em troca, oferecem aos estudantes, carentes, em sua grande maioria, pasta de amendoim, pão vegano, carne de soja, entre outras receitas.

Em um futuro muito breve, o órgão pretende retirar da alimentação escolar não apenas 40% (como é hoje), mas 100% de qualquer fonte de proteína animal de 154 unidades escolares de 4 municípios – Serrinha, Teofilândia, Biritinga e Barrocas” https://www.gazetadopovo.com.br/educacao

O Ministério Público Brasileiro possui em seus quadros, pessoas egressas de todos os setores da sociedade que alcançam seus cargos mediante concurso público. É importante que seja assim. Mas é preponderante que ao se assumir Promotor de Justiça, o advogado, já com certa experiência na advocacia privada, entenda que ao membro do Ministério Público é dedicada uma tarefa bem mais expressiva que o mero exercício de advocacia pública. Para tanto, é preciso deixar de lado a militância em prol de causas específicas e desempenhar, com denodo, a defesa dos interesses sociais, admitindo sempre, a sociedade como destinatária de suas ações.

Por outro lado, a gestão institucional precisa atentar-se para eleger prioridades, porquanto, as diversas facetas da modernidade impõem ao Promotor de Justiça, nos limites de sua área de atuação, desafios gigantescos, em face de peculiaridades locais e até mesmo em virtude de conexões com outros cenários, facilitados pelos novos meios de comunicação, levando-o a refletir, rotineiramente, sobre suas práticas, para desenvolver medidas inovadoras.

Não bastasse isso, gravitar entre ciência e realidade, é complexo. Há muito se difunde que, “melhor que custear pesquisas para descobrir drogas capazes de reduzir as elevadas taxas de colesterol no ser humano, seria desencadear medidas voltadas para reduzir o consumo de proteína animal”. Sem dúvida, o escopo do Ministério Público da Bahia, ao instituir como diretriz institucional um programa voltado para a sustentabilidade, foi de alcançar, em médio ou longo prazo, resultados imprescindíveis para o futuro das gerações. Faltou, todavia, estratégia e estudo da realidade para conceber tarefa tão ousada, definindo, os passos que paulatinamente devem ser dados na direção almejada.

Para desafios dessa natureza, é preciso inovar nos meios tradicionais de atuação. Não se pode repetir as fórmulas impositivas, implicando sanções pelo descumprimento, como prescrevem as regras consolidadas para o exercício do mister institucional e, sobretudo, sem ajustar com a sociedades essas inovações. É preciso empreender mudança no PARADIGMA DE ATUAÇÃO das unidades, valorizando o controle social e a participação comunitária, desenvolvendo medidas construtivas e gradativas, gerando com isso, maior conscientização sobre os temas e suas consequências.

Ou seja, em um programa voltado para a discussão de temas de sustentabilidade, impactando inclusive, nas rotinas de serviços públicos, deve-se compreender, como pressuposto, a realidade e nesse contexto, as tradições locais. A criança que vai a uma escola para receber, além do conhecimento ofertado, a merenda como refeição diária, não está preparada para o discurso seletivo de não se consumir carne. Em inúmeras comunidades brasileiras, carne – de boi, de frango ou peixe, ainda é comida de domingo, dia em que as refeições devem ser, por herança cultural, diferenciadas dos demais dias da semana, quando, não raro, falta “a mistura” para complementar o arroz com feijão levados à mesa.

Por isso, a tese de redução do consumo de proteína é, para muita gente, ofensa aos seus sonhos de consumo. Ainda há pessoas que esperam poder fazer duas ou três refeições diárias e, se possível, com um belo e saboroso bife de carne bovina. Visto assim, o atuante Ministério Público baiano não considerou na definição da diretriz questionada, o cenário e o impacto das medidas almejadas no meio social, mormente nos pequenos municípios da região, gerando a discussão da matéria o que já é significativo. Reconheça-se, por isso, a importância do debate, despiciendo da viabilidade da proposta.

Para incentivar a adoção de medidas visando legar ações de SUSTENTABILIDADE no meio escolar, o caminho é, sem dúvida, a interatividade, onde lideranças comunitárias, imprensa, lideranças religiosas, unidades escolares, empresários, pais de estudantes, estudantes, conselheiros de saúde, tutelares, de assistência social, enfim, toda a comunidade, sejam partícipes efetivos das discussões e, por esse meio de interação, definam o norte a ser alcançado, com a intervenção do Ministério Público para viabiliza-lo.

A inovação almejada deve ter por escopo a adequação do modo de caminhar, estabelecendo parcerias comunitárias para maior eficiência do trabalho. O sonho do Promotor de Justiça em atuar, proativamente, para reduzir as desconformidades sociais, continua vivo. E como lembra a música do inesquecível baiano Raul Seixas, “sonho que se sonha junto é realidade”.

Só assim, entenderemos que não há paradoxo nas notícias do aumento das exportações de carne bovina e as medidas visando incrementar a cultura da sustentabilidade ambiental, presente em diversos setores do nosso País, porém, ainda incipiente em muitas comunidades.

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