quinta-feira, 25/abril/2024
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O Paradoxo da Crise

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O Brasil vive, atualmente, uma crise política de proporções ainda imensuráveis. As Comissões Parlamentares de Inquéritos, instaladas no Congresso Nacional, buscam identificar e punir esquemas de corrupção que envolvem verbas do governo, de parlamentares, de empresas e de partidos políticos. Como se não bastassem os “mensalões” e os “mesadões”, ainda deparamos com outros escândalos, como o da Daslu e o da máfia da madeira, que agia há alguns anos em Mato Grosso e veio à tona através da Operação Curupira. Num cenário como este, fica difícil apontar algum assunto positivo. Só mesmo saindo de cena e desligando-se momentaneamente dos atuais acontecimentos, para conseguir olhar outros horizontes e descobrir caminhos que podem até não ser solução para todos os problemas, mas confirmam uma teoria chinesa de que crise e oportunidade andam juntas. É sobre isso que quero compartilhar.

No início deste mês fui à Europa, em Missão Oficial, acompanhado de mais dois colegas parlamentares, Nárcio Rodrigues (PSDB/MG) e Eduardo Gomes (PSDB/TO). Estivemos em Roma, Genebra e em Paris reunidos com lideranças do cooperativismo internacional e com entidades que defendem o meio ambiente, em busca de recursos a serem investidos no Brasil. Um dos principais objetivos da viagem foi fortalecer parcerias de ONG’s internacionais com o Centro Nacional de Educação Profissional em Cooperativismo, Gestão Ambiental e Turismo (CENEP). Trata-se de uma instituição, com sede em Frutal (MG), que capacita profissionalmente o trabalho voltado ao setor rural, em sintonia com a preservação ambiental para o desenvolvimento sustentável. O Centro forma pessoas para recuperar e ocupar corretamente o Cerrado brasileiro e atua no resgate do espaço já degradado, orientando as ocupações em andamento e protegendo o que ainda resta de legítimo e original, sempre com parcerias entre o Segmento Comunitário, Governo Federal e instituições privadas nacionais e internacionais.

Essa filosofia de trabalho em muito me surpreendeu, principalmente a partir dos resultados que a entidade vem mostrando na região do Triângulo Mineiro, onde já atua desde 2002. Surpreendeu-me mais ainda o interesse daquelas organizações internacionais em querer investir no Mato Grosso. Não é por menos: O Estado é o único que engloba três ecossistemas distintos (Pantanal, Cerrado e Floresta Amazônica) e apenas no Cerrado mato-grossense encontram-se cavernas, grutas, corredeiras, cachoeiras e trilhas onde podem ser vistas cerca de 10 mil espécies de plantas. Todavia, não foram só os aspectos positivos da região que chamou a atenção dos órgãos internacionais. O fato de o Mato Grosso ser responsável por quase 50% de todo o desmatamento na Amazônia no período de 2003-2004 foi o que despertou o interesse daquelas entidades em estabelecer programas de preservação gerando empregos por meio de organização e cooperativas. Paradoxalmente, uma informação negativa que repercutiu em vários países da Europa e também nos Estados Unidos, foi justamente a causadora de resultados favoráveis à reeducação do quadro ambiental do Mato Grosso.

Organizações como Unesco, FAO (fundação da ONU que apóia a produção de alimentos) e Green Cross International (Organização Não-Governamental, dirigida pelo ex-presidente da extinta União Soviética, Mikhail Gorbachev, e uma das instituições mais respeitadas que apóiam a causa preservacionista) assinaram programas que irão estimular e promover ações de desenvolvimento e responsabilidade sócio-ambiental, voltadas para gestão integrada e manejo dos recursos hídricos no Brasil. Só a FAO dispõe de uma verba anual de US$ 2 bilhões para investir no setor. A concepção desses projetos preenche a lacuna existente na questão da recuperação e da preservação do Cerrado Brasileiro. A idéia é capacitar, instrumentalizar e organizar grupos de produtores rurais em associações, cooperativas ou grupos de interesse, conscientizado-os sobre os problemas sócio-culturais, ambientais, econômicos e políticos, decorrentes da finitude de recursos naturais, da degradação ambiental, do desperdício e de usos conflitantes do meio ambiente. É necessário despertar nos madeireiros, por exemplo, a idéia de que o problema maior com relação à exploração de florestas não está com o Ibama, com o Ministério do Meio Ambiente, ou com outro órgão governamental. É muito fácil colocar a culpa em alguém. Difícil é levar essas pessoas, com posicionamentos diversificados, a se organizarem em torno de interesses em comum.

Enquanto os programas eram assinados na Europa, aqui no Brasil, autoridades do governo reagiam. Em recente reunião com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, o governador do Mato Grosso Blairo Maggi definiu uma série de medidas com o intuito de reverter os índices de desmatamento no Estado. A cooperação técnica entre a Secretaria do Meio Ambiente (Sema) e o Ibama, e a integração da Sema e do Ministério Público Estadual (MPE) ao Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter) foram as principais. Essa foi a primeira reação, todavia insuficiente. O que o Governo do Mato Grosso está fazendo é justamente estabelecer mecanismos de entendimento, já que a questão da política ambiental só tende a piorar daqui pra frente. E o que nunca houve foi entendimento entre os órgãos. No caso específico do Ibama, um órgão inadequado, sem tecnologia e sem recursos humanos e financeiros para realizar um inventário florestal, como pode, sozinho, querer defender toda uma floresta? Não esquecendo de mencionar o impasse gerado pelo Decreto nº 4.297, de 10 de junho de 2002, que estabelece critérios para o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) do Brasil, e a Medida Provisória 2166, que trata do Código Florestal Brasileiro. Ambos se contradizem, gerando uma discussão que parece não ter fim. Se não houver parceria, as riquezas naturais que ainda restam no Brasil estão fadadas à destruição. Se o quadro não mudar, daqui há alguns anos o Brasil não terá um pedaço de madeira para vender.

A Agenda 21 conclama nações para “conservar florestas existentes” e “sustentar e ampliar as áreas florestadas e coberturas arbóreas”. Infelizmente, o que se tem visto é o oposto. Os altos níveis de perda de floresta natural durante os últimos anos, provocados pela corrupção e atividades ilegais (mais de 26 mil quilômetros quadrados por ano desmatados!) continuam resistindo à ação da mídia, dos governos e dos fiscais. Uma coisa é certa: nos discursos, nas campanhas políticas e na mídia não há quem fixe posição contra o desmatamento. Então passou da hora de passarmos do discurso para a prática. Em minha opinião, a proposta do Zoneamento Ecológico é o instrumento adequado para subsidiar a formulação de políticas territoriais da União, Estados e Municípios, buscando, assim, conservar o capital natural e diminuir os riscos dos investimentos. Contudo, de nada adianta o Zoneamento enquanto estiver em vigor a MP 2166.

Percebe-se, assim, que alternativas existem. E muitas! O CENEP, também conhecido como “Universidade do Meio Ambiente”, tem se mostrado, a meu ver, outra proposta ecologicamente oportuna, politicamente correta e socialmente necessária para a realidade do Mato Grosso. Tanto que a Unesco o credenciou para ser centro de referência de gestão ambiental na América Latina. Essa mesma filosofia de trabalho será implantada no Estado em médio prazo. Durante minha viagem pela Europa, eu pude tirar os olhos da crise eminente no Brasil e perceber uma nova realidade (ou uma nova oportunidade): o país que preserva o meio ambiente é o país que gera mais riquezas. É hora de agir para que os recursos naturais gerem riquezas e inclusão social sem desrespeitar a natureza. Por isso, a importância de se criar uma política ambiental integrada e participativa que já está dando resultados. Este é o assunto positivo. Agora, voltemos às crises… Quem sabe não encontramos outras oportunidades?!

 
* Ricarte de Freitas é deputado federal, presidente do PTB no Estado do Mato Grosso e 1º vice-líder do partido na Câmara dos Deputados

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