Nunca se haveria de pensar que merenda fosse chegar a ser sinônimo de descalabro. A merenda teve lugar, também, em tempos não tão remotos quando os alunos das escolas públicas e particulares (estas até hoje) eram carinhosamente tratados pelas suas progenitoras ou amas que zelavam pelo alimento que seria ingerido no recreio. Muitos em companhia de coleguinhas que praticavam e praticam a troca dos mimos alimentícios. Na internet se aprende que do latim merere, "merecer", veio a palavra merenda. Lanche nasceu do inglês lunch, almoço rápido. Refeitório surgiu de refectorius, o lugar de refeição nas comunidades religiosas durante a Idade Média. Não se sabe ao certo se a evolução do conceito trouxe mais proteínas e contribuiu ou não para a diminuição das desmaios, que ocorrem até em salas de aulas. Porém, o que se sabe é que algumas autoridades se locupletam gostosamente com as guloseimas das merendas, mas, não desmaiam. E a solução para o não desmaio passou a ser diminuir o número de horas-aulas dadas! Vergonha!
Isto é evolução? Desde quando? Na verdade só faz o país regredir no ranking mundial da educação. E este descalabro é muito sério para não ser levado às conseqüências da legislação. No entanto, a responsabilidade que foi passada, das progenitoras e amas para o Estado trouxe, de fato, uma realidade que todos gostariam fosse apenas pesadelo. E é claro, apenas por se comer demais e dormir sem a devida digestão.
O pesadelo, no entanto com a presença do Estado passou a ser uma realidade que não se consegue apagar da mentes indignadas. E se buscarmos as razões desta indignação o que constatamos é uma total incapacidade deste tratar da questão. Tivessem fornecido alimentos às famílias para que estas continuassem a preparar a merenda para os filhos, este caminho seria mais facilmente aceito e menos escabroso ao que estamos assistindo.
O descalabro é maior quando o Estado se esquiva da responsabilidade afirmando que a culpa real é apenas dos executantes, estados, municípios e escolas. O governo federal é também responsável pelo escândalo e a solução não é nem nunca foi a prática da síndrome do avestruz. Esconder a cabeça na areia para negar o problema ou ainda afirmar que não se sabia de nada, Basta desta hipocrisia! Sejamos um país maduro para não envergonhar as inteligências que distinguem as falácias das realidades mal versadas.
E a razão disto, está no próprio entendimento do que é certame licitatório. Este não pára no resultado do pregão. A responsabilidade objetiva do estado continua se estendendo, é claro. A lei nº. 8.884/94, assim como a lei nº. 8.666/93 deixam muito claro o que é fraude licitatória e infração econômica. E, se elas ocorrem é em razão do Estado não possuir mecanismos que busquem evitar a fraude em licitação por intermédio do combate nos processos de concorrência.
Fica, igualmente, evidente que as empresas que participam das licitações praticam o conluio, a combinação de alternância de ganhos e compensação nas concorrências vindouras até em outros Estados. O Ministério Público sabe muito bem disso, assim como os órgãos como o CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica, vinculado ao Ministério da Justiça e que em nome da lei acima referida praticam o julgamento da fraude ou não, dando realidade ao direito econômico.
O que inexiste para tornar esta ação eficaz é a presença nos Estados dos órgãos regionais de apoio ao CADE em nível federal. A reforma da lei nº. 8.884 está no Congresso e, de há muito. E não se vota sua alteração para não dar mais força ao CADE, e muito menos se contempla uma necessária regionalização, a ser aplicada pelos Estados, para evitar uma ação de combate mais eficaz. Assim, não creio no combate ao descalabro e muitas merendas estarão ainda provando que as mães de antigamente é que tinham razão.
Por que tiraram delas o direito de dar merenda aos seus filhos? E por que não agora criam um Programa de Mães Merendeiras ao invés da merenda escolar? Auxiliem as mães e as famílias, com certeza elas não praticarão o descalabro, mas, com certeza valorizarão a merenda que advém de "merecer".
Ilson Sanches é advogado, professor universitário e presidente da Comissão de Dfesa da Concorrência e Regulação Econômica da OAB/MT
www.ilsonsanches.com