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Memórias de cárcere

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Pedimos empenhadas escusas aos admiradores da vida e da obra de Graciliano Ramos pelo rascunho destas palavras, inauguradas com o titulo acima. É certo que pretendemos fazer rápidas observações sobre os dias de prisão dos bípedes flagrados pilhando recursos públicos em Mato Grosso. E para isso, com todo respeito, fazemos uma rápida analogia ao episódio em que a Ditadura levou à prisão o inspirado autor de “Vidas Secas”. No cárcere, Graciliano Ramos conheceu vítimas das políticas sociais, o que o levou a reafirmar suas convicções.

E os cleptomaníacos detidos na Operação Pacenas? Será que se valerão das múltiplas horas de ócio atrás das grades para refletirem sobre (o mal de) seus atos?

Nesse dias de imenso frio vividos nessas paragens imagino quão duro é recolher-se à noite sobre uma cama de cimento, único recurso à disposição destes (presidiários). É certo que alguns detentos, endinheirados, terão acesso a colchão após acerto com os “facadistas” (detentos que facilitam coisas, mediante pagamento em dinheiro). Mas tal situação não deve esconder que milhares, milhões de pessoas não têm onde morar, dormem ao relento. São famílias inteiras sob viadutos, pontes, embaixo de lonas pretas, em casebres nas encostas de morros. Diferentes dos endinheirados presos na operação da PF, tais pessoas dormem em condições sub humanas porque são vítimas de um Estado que não oferece oportunidades. São vítimas da corrupção. Vivem na miséria, embora o acesso a moradia e a dignidade da pessoa humana sejam preceitos constitucionais.

Dá-nos pena imaginar os ilustres “empresários” e políticos no momento das refeições. Igual a qualquer preso, consumirão a gororoba servida aos encarcerados comuns. Pode até ser que suas esposas e companheiras levem guloseimas até a cela. Mas terão que, constrangidas, submeter-se às revistas íntimas. E o banquete entregue ao “famoso preso” terá que ser socializado aos ‘companheiros’ de cela.

A liberdade, o maior de todos os bens de que dispõe o homem, é mercadoria ou bem jurídico que ora é negada aos famosos hóspedes do Presídio. E a liberdade é negada todos os dias à maior parte das pessoas, justamente porque não têm acesso à escola que desejam, à alimentação indicada, ao trabalho que realizam seus propósitos, e à saúde. E por que? Porque os recursos públicos a sustentar tais políticas foram surrupiados pelos maus políticos e tragados pela corrupção, por graça e obra de empreiteiros inescrupulosos.

Sinceramente, a obra “Memória do Cárcere” nos leva a crer que o efeito da prisão de Graciliano Ramos foi reafirmar suas mais íntimas e sinceras convicções. Dez anos após ser libertado da prisão política escreveu sobre diálogos mantidos no cárcere, onde conheceu vítimas da sociedade, gente comum aos quais o crime foi a única forma de ter acesso a bens de consumo que deveriam ser recebidos por todos. Mas e qual o efeito da prisão dos políticos e empresários da Operação Sanecap, digo Pacenas?

Na condição de humanistas militantes, e crendo fervorosamente que o efeito ressocializador da pena poderá tocar seus corações, lançará sobre os mesmos algumas reflexões, a influenciar suas condutas futuras.

Posso visualizar uma reunião na toda poderosa FIEMT (Federação das Indústrias de Mato Grosso), onde se debate às escâncaras as formas de tornar verdadeiramente públicas as licitações, o controle da qualidade das obras, seu barateamento e modos de tornar os gastos públicos passíveis de fiscalização e controle social. Em outro momento reúnem políticos, dando a eles orientação no sentido de negar legenda a políticos de ficha suja, impedir a compra de votos, impor lisura no processo eleitoral. Discutem o fim de legendas partidárias de aluguel, a fim de impedir episódios como o ocorrido na eleição municipal de 2008, em Cuiabá, quando um partidinho levou R$ 400 mil de um candidato a prefeito e R$ 500 mil do outro. Enfim, os empreiteiros, devidamente ressocializados, após “pagar sua dívida com a sociedade” ensinarão e difundirão modos de selecionar os melhores e mais capacitados para gerir a res pública.

Isso é sonho? Ora, muitos sonharam antes de ver o objeto do sonho se materializar. E esse direito (ainda) não foi surrupiado por maus políticos e empreiteiros corruptos.

Vilson Nery e Antonio Cavalcante Filho são militantes do MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral) Comitê de Mato Grosso.

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