A revolta da maioria dos médicos brasileiros com o programa "Mais Médicos" lançado pela Presidente Dilma tem me impressionado e incomodado bastante.
Eu sou médico e sou petista. Atuo só na saúde pública desde que me formei há 17 anos e exerci mandato parlamentar em Cuiabá por 8 anos pelo PT. Falo, portanto, como quem tem, digamos assim, um pé em cada barco. Ao mesmo tempo, risco e vantagem.
Já tive a oportunidade de me posicionar em meu perfil no facebook de forma bastante objetiva sobre cada uma das medidas constantes do programa. Concordo com parte das medidas e discordo de outras, e todas elas podem e devem ser melhoradas. Esse, inclusive, é o desejo manifesto do nosso governo.
A finalidade deste artigo é compartilhar uma reflexão que está martelando a minha cabeça: estamos diante de uma oportunidade histórica para avançar em uma das reivindicações históricas dos médicos do Brasil, a Carreira de Estado.
Também está aberta a porta para um passo essencial à consolidação do SUS, a realização da integração real entre o sistema público de saúde e as escolas formadoras de profissionais de saúde, o que está inclusive previsto no artigo 200 da nossa Constituição.
Só atacar e tentar impedir a realização do programa não vai ajudar muita coisa. É preciso ir à luta propositiva.
As milhares de vagas abertas para atuação na atenção primária em áreas com carência de médicos hoje, com bolsa custeada pelo Ministério da Saúde, podem avançar para a proposta de porta de entrada na carreira de estado, servindo como o estágio probatório resultante de um acesso via concurso público ao SUS nacional. Isso é possível. Mas é preciso a corajosa disposição ao diálogo, com médicos, governo e parlamento à mesa.
Outro dado, a proposta dos dois anos de estágio obrigatório no SUS poderá significar acesso universal à Residência Médica. Isso, acesso universal, todos os médicos graduados no Brasil ingressando automaticamente na Residência Médica, realizando um primeiro ano integralmente na atenção primária à saúde e os demais anos de especialização também na rede pública de saúde, resolvendo-se vários problemas com uma única medida. Mais médicos na atenção básica, vaga em Residência Médica para todos, mais especialistas em formação na rede pública, e o SUS organizando a partir das necessidades reais da nossa população a formação de especialistas no Brasil, integrando as universidades ao cotidiano dos serviços públicos.
Há ainda no DNA do programa Mais Médicos, a possibilidade de criação de um mercado de trabalho novo para todos os médicos que hoje atuam no país. Afinal, serão médicos que trabalharão como tutores dos colegas em formação no interior do sistema de saúde.
Os mais de 15 bilhões de reais destinados pelo governo federal para investimentos em infraestrutura e equipamentos para a rede pública de saúde até o final de 2014 também exigirão a contribuição e a presença de nós médicos nas unidades onde estes recursos serão utilizados para potencializar o resultado da sua aplicação.
Ao lado da Carreira de Estado, da integração entre o sistema de saúde e as escolas médicas, lutar por mais recursos para o SUS com a taxação das grandes fortunas, com o fim de limites na lei de responsabilidade fiscal para despesas com pessoal na saúde, com 10% do orçamento federal para o SUS, são excelentes pautas para o diálogo entre médicos, governo e congresso nacional.
E, nesse sentido, o "Mais Médicos" tem um enorme e inegável mérito, que supera de longe seus limites: colocar a saúde dos brasileiros no centro do debate nacional. Não podemos perder esta oportunidade histórica. À luta, doutores, mas com lucidez.
Lúdio Cabral é médico sanitarista e militante do SUS em Cuiabá.