A estranha entrevista do Presidente Lula, divulgada pelo Fantástico no domingo à noite, foi um desastre e recolocou o chefe do governo no centro da crise política do mensalão e do desvio de verbas públicas. Apesar da boa vontade da maioria dos líderes da oposição para deixar o Presidente Lula de fora das denúncias, fica cada vez mais difícil acreditar na sua inocência. O próprio governo está se lançando no mar de lama.
Até semana passada, o governo tentava se livrar das acusações. Dizia que o mensalão é um problema do Congresso e dos partidos da base de apoio e que os empréstimos bancários captados por Marcos Valério eram um assunto exclusivo do PT. O governo lutava para mostrar que não sabia do mensalão, nem das operações financeiras do PT e que não havia dinheiro público envolvido nessas maracutaias.
Quando o líder do PSDB, senador Arthur Virgílio, questionou o papel do Presidente Lula, afirmando que ele é inepto, ou é corrupto, muitos acharam que ele estava exagerando na crítica. Mas os fatos comprovam que Arthur Virgílio está certo. A entrevista do Presidente ao Fantástico é batom na cueca. Ou dólar na cueca, como é a moda agora.
Lula se negou a conceder entrevistas aos grandes veículos de imprensa nacional que o acompanhavam na viagem a Paris e preferiu falar para uma produtora de TV independente, que não é jornalista profissional e que o deixou à vontade para falar o que queria. O Presidente deu entrevista na sexta-feira pouco antes do meio-dia e lançou ali a tese de que o PT usou o dinheiro arrecadado por Marcos Valério para financiar campanhas eleitorais de 2002 e 2004. Lula alegou estar afastado do PT há muitos anos e garantiu que o governo nada sabia das operações entre Marcos Valério e o PT.
Os argumentos de Lula, ainda desconhecidos do grande público, foram exatamente os mesmos utilizados por Marcos Valério na audiência com o procurador geral e na entrevista que concedeu ao Jornal Nacional da TV Globo, na sexta-feira. E foram repetidos igualmente por Delúbio Soares ao procurador geral e em entrevista ao Jornal Nacional, na edição de sábado.
Quando o Fantástico trouxe a entrevista de Lula no domingo à noite, caiu a ficha. Ficou claro que o Presidente da República, o tesoureiro Delúbio e o empresário Marcos Valério seguiram o mesmo script, o mesmo texto, numa estratégia para tentar descaracterizar o desvio de recursos públicos e a corrupção praticados pelo PT, para transformá-lo num pecado venial, o uso de recursos não contabilizados, como diria o Delúbio Soares, ou o famoso caixa 2, nas campanhas eleitorais do PT. Um recurso, segundo o próprio Lula, “usado sistematicamente por todos os partidos.”
O Presidente admite publicamente o caixa 2 do PT. As entrevistas combinadas anularam tudo o que o governo havia feito para tentar desvincular Lula do escândalo político. O Presidente agiu como maestro de uma orquestração para tentar reduzir os estragos do mensalão e do uso de verbas públicas em benefício do partido. Marcos Valério e Delúbio tocaram a partitura de Lula. O Presidente não pode ser chamado de inepto, não lhe assiste mais o benefício da dúvida.
Caixa 2 é crime e a explicação de Lula, Delúbio e Valério complicou a vida de todos os candidatos do PT que disputaram eleições em 2002 e 2004. Todos são suspeitos de uso de caixa 2 nas campanhas.
A prestação de contas dos anos 2003 e 2004 apresentada pelo PT à Justiça Eleitoral registra que o diretório nacional do PT destinou cerca de R$ 169 mil aos diretórios regionais do partido para o pagamento de dívidas de campanha. Aqui em Mato Grosso, o PT recebeu R$ 33 mil do diretório nacional para pagar os fornecedores, de acordo com a prestação de contas.
Agora o PT nacional já pensa em refazer a prestação de contas, para “acomodar” o dinheiro obtido com os empréstimos obtidos pelo partido com o aval de Marcos Valério e os empréstimos que as empresas de Marcos Valério levantaram nos bancos e repassaram para o PT. São cerca de R$ 40 milhões. Também o PT de Mato Grosso vai ter de refazer suas contas de campanha, para adequá-las aos ingressos vindos de Marcos Valério. Difícil é achar quem acredite nessas prestações de contas de campanha.
Com a entrevista concedida em Paris, Lula botou em seu colo a crise do mensalão. E não somos nós, da oposição, que vamos quebrar a cabeça para provar que ele não tem nada a ver com isso. Não somos nós que vamos trabalhar para evitar que esses crimes acabem levando a um pedido de impeachment do Presidente da República. Isso não é função da oposição.
*Antero Paes de Barros é radialista, jornalista e senador licenciado pelo PSDB-MT
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