Com o advento da Lei 9.099/95, o acesso ao Poder Judiciário mudou de cenário, facilitando para aqueles que possuem reclamações de menor complexidade, conforme seu conceito no artigo 3°, inc. I e II, que reza "O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento de causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: I – as causas cujo valor não exceda a 40 vezes o salário mínimo; II – as enumeradas no art. 275, inciso II do Código de Processo Civil."
A maioria das ações versa sobre relação de consumo, onde diante do Código de Defesa do Consumidor, esbarramos em um contrassenso, vejamos.
Nas ações que tramitam nos Juizados Especiais as empresas que figuram no polo passivo tem o direito de defesa limitado, não podendo agravar de decisões, chamar terceiros ao processo, produzir prova pericial, cabendo apenas alegar ilegitimidade passiva a seu favor.
Deve ser respeitado o direito do consumidor em qualquer esfera, mas o fornecedor não pode ficar à mercê da lei subordinada à Carta Magna, sem meios para promover a defesa e constituir provas, caracterizando o cerceamento de defesa, confrontando, aliás, desrespeitando o que dispõe o artigo 5°, inciso LV da Constituição Federal.
Pois bem, vamos considerar um caso corriqueiro em que figura como autor um determinado consumidor, e no polo passivo apenas o comerciante do produto adquirido. Na defesa a empresa não poderá chamar aos autos o fabricante, que é o responsável pela garantia do produto, o que seria benéfico inclusive ao próprio consumidor, que teria no polo passivo aquele que desenvolveu, produziu e colocou no mercado o produto por ele adquirido, facilitando inclusive um possível acordo na audiência de conciliação.
O comerciante é apenas o intermediário entre o consumidor e o fabricante/produtor, e ser penalizado, muitas vezes sozinho na demanda acaba onerando apenas quem o comercializou. Face aos princípios da moralidade e boa fé contratual essa condenação pune injustamente o comerciante que não tem nenhuma participação na fabricação, montagem e/ou desenvolvimento do produto, cabendo apenas comercializar acreditando na marca e no produto, tal qual o próprio consumidor.
Entendo que deveria haver uma alteração na Lei 9.099/95, no sentido de que, ao se tratar de ação que versa sobre relação de consumo, de vício de produto, que o fabricante seja incluído no polo passivo da demanda quando o reclamante não o promover, uma inclusão automática.
Muito embora se menciona o direito de regresso da empresa comerciante contra o fabricante, isso não acontece na prática, pois como poderia acionar judicialmente aquele que se representa? É utopia jurídica acreditar, por exemplo, que uma empresa que comercializa veículos, por ser condenada em juizado especial em uma demanda por relação de consumo de produto em garantia, irá ingressar com ação regressiva.
O Código de Defesa do Consumidor no artigo 6°, facilita ao consumidor a inversão do ônus da prova, o que acaba sendo via de regra em se tratando de relação de consumo, assim, o comerciante fica ainda mais limitado nos Juizados Especiais.
Até mesmo os princípios da celeridade e economia processual acabam sendo ignorados pelo legislador, pois ao se promover uma ação regressiva do comerciante contra o fabricante, seria mais uma ação para abalroar o Poder Judiciário.
Dessa forma, uma mudança na Lei 9.099/95, para inclusão automática do fabricante/produtor no polo passivo de reclamação cível de vicio de produto não iria trazer nenhum prejuízo ao consumidor, ao contrário, teria o consumidor mais de uma pessoa para atender sua solicitação, caso tenha realmente êxito na demanda!
Daniela Sanches Vicente, advogada em Mato Grosso, especialista em Direito Empresarial, Negocial e do Consumidor.