A tragédia de maio de 2024 no Rio Grande do Sul reacendeu no Brasil o debate sobre a prevenção a desastres naturais. Porto Alegre possui um histórico de enchentes, como em 1941, que alcançou 4,76 m. Já em setembro de 1967, o nível chegou a subir até 3,11 m, e em outubro de 2015, a 2,92 m. Em setembro de 2023, chegou até 3,18 m; e em novembro de 2023, a 3,46 m, e em maio de 2024, alcançou o máximo registrado, atingindo a marca de 5,33 m. Para nós mato-grossenses, o desastre registrado no Rio Grande do Sul, levanta algumas perguntas. Em Mato Grosso, podem ocorrer eventos extremos? E caso ocorram, será que o nosso estado e os municípios estão preparados?
Em Mato Grosso, 40 municípios estão na lista dos mais suscetíveis à ocorrências de deslizamentos, enxurradas e inundações para serem priorizados nas ações da União em gestão de risco e de desastres naturais. Nestes municípios ao menos 6.088 pessoas vivem em áreas de risco. Porém o número de municípios afetados por desastres na última década é bem maior. Ao se analisar o histórico de desastres naturais registrados no Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID), entre janeiro de 2013 e 10 de maio de 2024, 136 municípios do estado realizaram ao menos um registro. Neste período os desastres no estado de Mato Grosso causaram 17 mortes e deixaram 568 feridos, 1985 desabrigados, e 9719 desalojados. Isso desconsiderando os desastres virais, como foi o caso do Corona Virus.
Entre os casos recentes que tiveram grandes impactos, estão os alagamentos em Cáceres em 2024, as inundações em Campo Novo do Parecis em 2017, e o caso do Portão do Inferno em 2023/2024. Mato Grosso também possui em seu registro um dos maiores terremotos da história do Brasil, que ocorreu em 1955, na Serra do Tombador, em Porto dos Gaúchos, com magnitude 6,2 graus na Escala Richter.
Porém na história de Mato Grosso, com certeza os desastres hidrológicos e as secas extremas, são os mais significativos. Por exemplo, a enchente de março de 1974, que atingiu a Baixada Cuiabana, deixou mais de 24 mil pessoas desabrigadas e destruiu bairros inteiros. Em 1995, uma nova enchente voltou afetar a região, cerca de oito mil pessoas ficaram desabrigadas. Em abril de 2001, em cinco horas de chuva, choveu 129 mm, e provocou alagamentos e inundações em Cuiabá, que ocasionou a morte de 15 pessoas, e deixou mais de 5 mil pessoas desabrigadas.
Os eventos de seca, e com eles as queimadas, também marcam a história do estado. Entre 1909 e 1915 ocorreram vários anos com forte seca, no Pantanal, entre 1964 e 1973 a seca voltou, foi imortalizada no Poema “Carreta Pantaneira” de Manoel de Barros, que cita “Dez ano de seca tivemos. Só trator navegando, de estadão, pelos campos.” O mesmo ciclo de secas voltou a assolar a região em 2019, e desde então se mantem.
Os eventos de seca e chuva intensa, estão ligados a ciclos climáticos globais. Alguns destes ciclos possuem recorrência dezenas de anos, alguns outros de centenas de anos, e existem até mesmo ciclos que se intercalam na casa de milhares de anos. Nas últimas décadas a interferência do homem no meio ambiente, tem favorecido uma ampliação da tendência de eventos extremos. Na prática o que acontece, é que os ciclos já existentes em uma região ocorrem com mais intensidade. A falta de planejamento da ocupação do solo, o pouco planejamento das cidades, e a ocupação de áreas indevidas, ampliam ainda mais o risco de que os novos eventos extremos afetem um número ainda maior de pessoas.
Por isso, é importante entendermos os ciclos e planejarmos as cidades pensando neles. Porque, mais cedo ou mais tarde, um nome evento de chuva intensa ocorrerá na baixada cuiabana e em outras regiões do estado que possuem histórico de inundações. Quedas de blocos e deslizamentos voltaram a afetar áreas com susceptibilidade. Da mesma forma os eventos de seca irão se repetir, assim como, Mato Grosso pode vivenciar novamente um terremoto. Em cidades como Barra do Garças, que possui 2.732 morando em áreas de risco geo‐hidrológico mapeadas, um evento de chuva intensa pode gerar uma tragédia. Em Cuiabá e Várzea Grande, eventos hidrológicos extremos podem ocasionar dezenas de mortes novamente, assim como ocorreu em 2001.
Para evitar que eventos extremos afetem de forma profunda a população, é preciso que sejam realizadas as ações de prevenção, monitoramento e implementação de um planejamento do estado e das cidades, focada na redução e gestão de risco. E para que isso ocorra, é preciso que existam equipes técnicas permanentes na defesa civil e em outros órgãos. Assim como, é necessário que seja investido recursos para desenvolvimento das ações para redução do risco. O problema é que tanto o estado de Mato Grosso, como em cidade, como Cuiabá e Várzea Grande, não existem equipes técnicas permanentes na defesa civil. Sem esses profissionais, com certeza as ações de prevenção ficam comprometidas.
Parabenizo o Governo do Estado e a Assembleia Legislativa pela solidariedade com o povo gaúcho, com a doação de 50 milhões de reais. Mas também é necessário que seja feito o dever de casa. É preciso que o governo abra um concurso urgente na defesa civil, visando criar uma equipe técnica permanente para enfrentar os desafios postos pelos eventos extremos. Investir em prevenção é a melhor forma de garantir a segurança da população. Não podemos ficar esperando uma tragédia acontecer, é preciso que sejam feitas as ações necessárias já. Uma hora ou outra, um novo evento extremo irá afetar a população de Mato Grosso, e será que estaremos preparados? Espero que sim, mas isso depende da vontade e da responsabilidade dos nossos governantes.