Reproduzo o artigo do Prof. Renato Lessa (Revista Ciência Hoje/SBPC. Vol. 39, nov. 2006. P.03), relevante para pensarmos os desafios éticos, políticos e sociais da sociedade brasileira contemporânea:
“Um dos ensinamentos mais antigos da Filosofia Política sustenta que os domínios da ética e da política são essenciais à interação social – é o que afirma o pensador grego Aristóteles (384-322 a.C.) tanto na Ética a Nicómaco quanto na Política, duas de suas obras centrais. Com efeito, nenhum agregado humano sustenta-se sem um conjunto de orientações a respeito do que significa a melhor maneira de viver.
Para Aristóteles, a melhor maneira de viver só pode ser construída em comum com os outros seres humanos. A atividade que viabiliza essa experiência comunitária é justamente a política. A existência de um espaço público e comum, por sua vez, é condição para a materialização da ética. O Estado, portanto, como “associação de homens livres”, contínua Aristóteles, funda-se em uma complementariedade necessária entre ética e política.
No Estado Democrático de Direito, no qual o princípio da soberania popular está associado à observação estrita de normas jurídicas claras, a materialização da ética na vida pública se dá pelo imperativo da legalidade, e não por arroubos individuais e auto-declarações de virtude. Governos lenientes e corruptos não agridem apenas valores tradicionais de honestidade. Fazem coisa pior: conspiram contra a legalidade.
Outro importante ensinamento da filosofia política clássica é a de que o exercício do poder sem apreço à legalidade tem nome: ‘despotismo’. O déspota, antes de tudo, suprime e dilapida o interesse público e comum. Exerce o poder orientado por suas conveniências pessoais. Em sua obra Histórias, o pensador grego Heródoto, que viveu no século V a. C., não se iludia a respeito do que um tirano pode fazer: “ele muda as Instituições dos nossos antepassados, viola mulheres e manda matar homens sem julgamento.” A corrupção é um de seus modos possíveis, mas o seu efeito mais deletério exige um neologismo: o “republicídio.”
O imperativo da ética não significa submeter a política à jurisdição de princípios externos e moralizadores. O que importa é perceber a política como um processo de deliberação e decisão a respeito do interesse público – que exige, ‘em seu interior’ e como condição de possibilidade, a adesão a valores e a definições sobre a melhor maneira de vivermos em conjunto.
Momentos pós-eleitorais podem ser propícios a reflexão dessa natureza. O fortalecimento de uma esfera pública e republicana, na qual a cultura científica e crítica tem papel de enorme relevância, parece ser indispensável para a requalificação da política. Sem ética pública, a democracia converte-se em mera disputa pela captação de sufrágio e em uma sucessão de temporadas de caça aos eleitores.
É necessário muito mais do que isso para que essas antigas palavras gregas – ética, política e democracia – sejam levadas a sério.”
Edison Antônio de Souza é historiador da UNEMAT em Sinop