A contabilidade é fundamentalmente uma ciência que sustenta o progresso econômico mundial. Estudos apontam que o mercado global de serviços de contabilidade alcançará 1 trilhão de dólares até 2028, refletindo sua centralidade nas operações econômicas e nas decisões de investidores.
O desenvolvimento científico da contabilidade data do século XV, evoluindo de práticas empíricas para conhecimento propriamente dito. No Brasil, a história contábil remonta ao período colonial. O primeiro contador integral designado foi Gaspar Lamego, marcando o reconhecimento oficial da profissão.
Forte mudança de rumos ocorreu com a chegada da Família Real em 1808, que criou o Tesouro Nacional (Erário Régio) e o Banco do Brasil. A Coroa Portuguesa obrigou contadores da Real Fazenda a utilizarem partidas dobradas nos registros mercantis, consolidando método científico as práticas contábeis.
O Brasil posteriormente reconheceu a necessidade de modernização e em 2007, adotou as Normas Internacionais de Contabilidade para acompanhar os desafios econômicos contemporâneos.
Por falar em contemporaneidade, no Brasil observa-se uma lacuna estrutural crítica; dado que muitos municípios e estados não possuem setores de contabilidade com status de secretaria executiva.
Pois, enquanto diversas secretarias são criadas para variados segmentos administrativos, a contabilidade frequentemente carece do reconhecimento institucional merecido. Essa negligência reflete deficiência conceitual sobre a importância da profissão para gestão pública robusta e acima de tudo falta de protagonismo institucional.
A contabilidade moderna abrange, no mínimo, quatro funções fundamentais: escrituração, demonstrações contábeis, auditoria e análise de balanços. São funções que se complementam. Enquanto a escrituração registra os fatos, as demonstrações organizam e sintetizam os registros, a auditoria examina sua confiabilidade e conformidade, e a análise fornece informações para apoiar decisões estratégicas.
No setor público, o contador assume relevância estratégica não apenas na gestão financeira e contábil, mas também na promoção de práticas éticas que garantam transparência e eficiência.
A renovação de 2/3 do Plenário dos Conselhos Regionais de Contabilidade (CRC) ocorrida em 13 de novembro de 2025, mobilizou mais de 385 mil profissionais. Uma semana antes, o Conselho Federal de Contabilidade elegeu, com chapa única, a nova gestão para 2026/2029, comprometida com diálogo permanente com os estados.
Essa renovação oferece janela histórica de oportunidade. Os Conselhos, em colaboração com sindicatos e sociedade civil, devem empreender campanha maciça para que municípios e estados reconheçam a contabilidade como secretaria executiva.
Iniciativa tímida ocorreu com a Emenda Constitucional nº 109/2023, à Constituição do Estado de Mato Grosso, que representa tentativa de reconhecimento institucional, mas revela limitações conceituais significativas. A Emenda reconheceu que atividades de contabilidade são essenciais à gestão orçamentária, financeira e patrimonial, determinando criação de Órgão Central de Contabilidade.
Contudo, o texto aprovado merece crítica aprofundada. A proposta original destacava o papel da contabilidade muito mais amplo, não apenas para registrar, mas também para promover transparência, prestação de contas e fiscalização da gestão fiscal, em outras palavras, reforçava o papel estratégico do contador público na governança pública.
O texto aprovado, além de prolixo, se prendeu à centralização de registros e à produção de relatórios fiscais. Assim, ao invés de ampliar o campo de atuação da Ciência Contábil no setor público, limitou-se a procedimentos técnicos (rotina administrativa).
Modéstia, à parte, eu colaborei com o Contador e Auditor Substituto de Conselheiro do TCE-MT, Isaias Lopes, na redação do texto original que se transformou na Emenda Constitucional, demonstrando que a valorização conceitual da contabilidade como ciência estratégica é realizável através de marcos legais institucionais.
Contudo, a versão aprovada comprometeu essa ambição inicial de valorizar a Ciência Contábil ao perder densidade conceitual, reduzindo significativamente o potencial transformador e inovador da iniciativa.
Por que isso aconteceu? Creio que em razão da falta de protagonismo de um grupo de contadores públicos – representantes do CRC-MT – que em 2022 receberam o texto da proposta original. O razoável seria defender o texto original com unhas e dentes, atitude que como visto não aconteceu.
Em que pese este desleixe local, devemos depositar boas expectativas na renovação do Plenário dos Conselhos, pois representa chamado urgente para o protagonismo e mobilização coletiva da profissão na busca pela valorização da contabilidade no setor público.
Que essa renovação traga novos ares à profissão e que seja catalisadora para que o Brasil reconheça a contabilidade com dignidade científica, posição institucional (secretaria) e reconhecimento social que efetivamente merece, superando visões procedimentais e abraçando sua verdadeira dimensão estratégica na governança pública.


