Em uma economia de mercado, ninguém, isoladamente considerado, é responsável pela produção, pelo consumo, pela distribuição ou pela fixação de preços, pois o que a caracteriza é a possibilidade de ocorrer o encontro de compradores e vendedores para a fixação de preços e quantidades. Logo, “num sistema de mercado, tudo tem um preço, que consiste no valor desse bem em termos monetários. Os preços representam as condições em que os indivíduos e as empresas trocam as diferentes mercadorias”.1
É justamente essa espontaneidade que levou Adam Smith a referir-se à mão invisível, visto que ele sustentava que a perseguição egoísta dos interesses individuais levava, como por meio de uma mão invisível, à consecução do interesse coletivo. Essa concepção econômico-filosófica se refletiu nas proposições essenciais do modelo jurídico liberal:2
i) separação absoluta entre direito público e privado, na medida em que o direito público, por ser o direito encarregado do interesse coletivo, não tinha razão para intervir na atividade econômica privada; e
ii) o direito privado patrimonial era o direito dos empreendedores individuais e autônomos, ou seja, era baseado na autonomia da vontade e tinha por objetivo preservar o jogo da mão invisível do mercado. Enfim, a ordem econômica liberal, essencialmente, visava a preservar a economia de mercado, vale dizer, impedir a organização da economia, seja pelos poderes públicos, seja pelos agentes econômicos privados.
Acontece, entretanto, que, por vezes, o interesse exclusivamente individual foge do alcance da mão invisível do mercado. E, diante de tal situação, ou seja, em que o exercício da atividade econômica pelos agentes privados vai de encontro ao interesse coletivo, faz-se preciso, por meio da mão visível dos poderes públicos, reconduzi-la em direção a esse interesse. Logo, levando-se em consideração que as relações econômicas podem ser travadas no mercado sob condições organizadas por poderes públicos ou privados, são múltiplas as formas de atuação estatal em relação a esses processos econômicos.
Não se trata de restaurar um sistema de planejamento econômico central ou de fazer loas a ele, mas sim de promover, por um conjunto de técnicas de intervenção, negativas ou positivas, meios de assegurar que a atividade econômica alcance seus objetivos de crescimento e acúmulo. Essas falhas que impedem o mercado de conduzir, de forma autônoma, a economia em direção a uma produção eficiente 3 podem ser discriminadas em três conjuntos principais:
i) as que se relacionam com a questão dos monopólios e da concorrência imperfeita;
ii) as que dizem respeito às externalidades ao mercado: externalidades positivas, como as descobertas científicas, e externalidades negativas, como a poluição;
iii) e as que dizem respeito ao problema da repartição dos rendimentos.
Por isso, com relação ao meio ambiente, a problemática não é diferente, pois as atividades econômicas ameaçam romper a intricada rede de ecossistemas naturais. Daí a importância de um sopesamento e combinação das forças de mercado com a intervenção governamental como requisito essencial tanto à sobrevivência ambiental quanto à melhoria contínua de níveis de vida e crescimento econômico.
Assim, para tornar possível o sopesamento de valores econômicos e ambientais, é preciso, mesmo que de forma perfunctória, entender o que a ciência econômica compreende por externalidade ambiental e por internalização dos custos da degradação ambiental.
O primeiro passo é saber que costuma dividir os recursos naturais em apropriáveis e inapropriáveis:
— Apropriáveis são os que as empresas e os consumidores podem captar a totalidade de seu valor econômico. Nesse sentido, num mercado em perfeitas condições, é de se esperar que os recursos naturais apropriáveis sejam devidamente valorizados e aplicados. Exemplo: terra, recursos minerais;
— Inapropriáveis, ao seu turno, são os que podem trazer algum tipo de problema econômico, uma vez que, apesar de serem de livre utilização para os indivíduos, comportam, invariavelmente, ônus para a sociedade em função da degradação ambiental que sua utilização representa e a conseqüente diminuição nos índices de qualidade de vida, situação que envolve as ditas externalidades – situações em que a produção ou o consumo impõem a outras partes custos ou benefícios não compensados.
Nesse sentido, portanto, a degradação ambiental constitui uma “externalidade”, ou seja, tipo de custo externo produzido por uma atividade econômica que não encontra reflexo no preço dos respectivos produtos ou serviços.
Para melhor compreendermos essa distinção, demonstra-se útil fazer uma comparação das externalidades com os bens econômicos normais. As transações normais de mercado envolvem trocas voluntárias em que os agentes econômicos trocam bens por dinheiro. Assim, quando uma empresa usa um recurso natural apropriável — como a terra ou um minério — paga ao proprietário deste recurso determinado valor monetário com intuito de compensá-lo pela utilização do referido bem.
Contudo, algumas operações escapam ao esquema tradicional de uma operação de mercado — relação de troca —, como no caso de uma empresa que despeja resíduos tóxicos num curso d’água, cujos recursos hídricos são utilizados por outros membros da comunidade, como bebida ou mesmo como fonte de diversão — nadar, por exemplo. Temos assim caracterizada situação em que determinada empresa se apossa de um bem — que, entretanto, constitui recurso natural inapropriável —, e o utiliza de modo a torná-lo, posteriormente, imprestável ao consumo, sem qualquer tipo de compensação aos outros membros da comunidade por sua utilização e conseqüente degradação. Isso provoca o que em economia se denomina por des-economia interna.
Portanto, quando os recursos não se deixam apropriar, ou seja, não se deixam quantificarem monetariamente na lógica da economia de mercado, suas relações aparecem distorcidas nestes mesmos mercados. A solução econômica, portanto, caminha no sentido de tornar possível a apropriação de todos os recursos naturais, valorando-os a partir de sua escassez e inserindo-os na lógica de mercado.
Mas ainda há outra importante distinção que nos auxiliará na compreensão da internalização dos custos da degradação ambiental, ela diz respeito à possibilidade de renovação dos recursos naturais, porquanto a ciência econômica também divide os recursos naturais em renováveis e não-renováveis.
Por recurso natural não-renovável entende-se os que existem em quantidade fixa e cuja renovação não é suficientemente rápida para ser economicamente considerada. Requerem, por isso mesmo, regras específicas sobre sua afetação no espaço e no tempo, ou seja, exigem uma regulamentação da distribuição de uma quantidade finita de recursos ao longo do tempo.
Já por recursos naturais renováveis fazemos referência aos recursos cujas utilidades são reconstituídos regularmente e, uma vez geridos adequadamente, podem proporcionar utilidades indefinidamente, uma vez que o rendimento maximiza o valor do recurso. Assim, o uso racional dos recursos renováveis exige gestão racional que assegure que o fluxo de serviços seja mantido eficientemente.
Visto, pois, as definições de recursos apropriáveis e inapropriáveis, bem como recursos naturais renováveis e não-renováveis, podemos, agora, falar que são inapropriáveis os recursos com externalidades, ou seja, recursos cujo consumo ou utilização causam custos ou benefícios involuntários a terceiros.
Podemos, inclusive, dizer que uma externalidade constitui o efeito do comportamento de um agente econômico no bem-estar de outro agente econômico sem que essa influência seja refletida em transações mercantis.
Por conseguinte, como os recursos naturais são escassos e, por isso mesmo, passam a ter seu valor econômico ampliado, constitui uma prática contrária à lógica econômica sua apropriação livre e gratuita e, mais, com a transferência de seu consumo do agente econômico utilizador para a coletividade.
Por isso, faz-se necessária a existência de um arcabouço regulatório capaz de internalizar os custos decorrentes da degradação ambiental no seio da atividade que o promove: o poluidor deve pagar pelos custos da degradação ambiental e os agentes econômicos devem ter tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processo de elaboração e prestação.
Logo, é preciso orientar, limitar, condicionar e, se preciso for, sancionar as práticas sociais ou individuais e, de modo especial, as condutas dos agentes econômicos tendo em vista a sua adequação às políticas e medidas da proteção ambiental.
Rogério Emilio de Andrade é advogado da União, mestre em Direito Político e Econômico e Doutorando em Filosofia e Teoria-Geral do Direito.
Fonte:Revista Consultor Jurídico, 17 de março de 2007