A democracia brasileira está sustentada na nova sociedade civil organizada, e não mais nas instituições formais, como partidos políticos, parlamento e sindicatos.
Essa é uma afirmação perigosa e difícil de sustentar, exige um exercício longo por várias teorias políticas, mas me arrisco a defendê-la sem o compromisso acadêmico.
Vivemos desde a Nova República um período de intensas alterações na estrutura política no Brasil. De certa forma, tivemos o período do porre de democracia, com o fim da ditadura, e que dura até nossos dias. Esse processo se iniciou com a anistia aos partidos e presos políticos, em ato assinado pelo então presidente José Sarney em 1985.
Ainda em 1985 foi a vez das eleições diretas para prefeitos das capitais, e em 1986 as eleições estaduais e federal constituintes, sucedidas pelas eleições de prefeitos e vereadores do interior, em 1988, e as primeiras diretas para presidente da República, em 1989. A partir de 1990, quando elegemos governadores, deputados federais, estaduais e senadores, temos eleições a cada dois anos, o que tornou a nossa democracia eletiva uma das mais intensas do mundo.
Em 1989 tivemos um dos fatos mais relevantes desse novo momento pós-didatura, que foi a promulgação da Constituição Cidadã. Ela restaurou de fato a democracia e a liberdade no país, com a restauração do habeas corpus, do direito universal ao voto (inclusive para mulheres, analfabetos e maiores de 16 anos), a determinação do Ministério Público como instituição autônoma (e não mais como órgão auxiliar do Executivo), e a lei do consumidor, entre outros.
Some-se a isso tudo a nova imprensa, que passou a interagir com essa nova realidade abusando da democracia, tomando ela própria seu porre.
Desde então passamos por todo tipo de prova. Cassamos o primeiro presidente da história da República Democrática. Vimos o povo tomar as ruas como cara-pintadas. Vimos surgir um dos maiores movimentos populares das Américas, com o MST, em oposição à atuação deliberada dos fazendeiros, escudados pela UDR. Elegemos um intelectual com passado marxista para presidente, e finalmente tornamos presidente um operário sindicalista e sem diploma universitário. E o reelegemos, numa disputa em que as diferenças de classe vieram à tona no país.
E tudo isso transcorreu sem maiores abalos à nossa democracia, sem risco real de golpes militares, paramilitares ou mesmo civis.
Mas, quem sustentou essa democracia. Foram os partidos políticos? Foram os políticos, parlamentares ou executivos? Foram grandes líderes nacionais? Foram os sindicatos? Foram as igrejas? A família? As ONGs? A imprensa? O Terceiro Setor? Foi o povo na rua?
Agora a coisa começou a complicar. Foi isso tudo, mas alguns segmentos tiveram expressão maior que outros, dependendo do momento.
Entrarei nessa etapa da minha defesa no próximo artigo. Entretanto, antecipo que avalio as instituições formais, como família, igreja, sindicatos, partidos, parlamento e judiciário como agonizantes, perdendo lugar para novas instituições, como ONGs, clubes de serviço, associações de propósito específico (como as que lutam pela paz, pela rua do bairro, pela assistência a famílias carentes, etc.), e também para a imprensa, que exerce, a meu ver, uma influência exagerada nas decisões mais importantes do país, se auto-proclamando representante da chamada opinião pública. Continuo na semana que vem.
Kleber Lima é jornalista pós-graduado em marketing