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A necrópole da Covid-19

Eduardo Chiletto, arquiteto e urbanista, presidente da Academia de Arquitetura e Urbanismo de Mato Grosso (AAU-MT)
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A pandemia é inequivocamente desigual nos seus impactos sociais. Basta observarmos os resultados educacionais mostrando que a população de baixa renda não tem acesso a internet de qualidade. Tanto na infraestrutura quanto na conectividade – pobreza digital – e consequentemente tem um ensino/aprendizagem que não garante conhecimento e qualidade a distância.

O fechamento de escolas e creches combinado com a pobreza digital são inequivocamente trágicos. Riscos e repercussões são abundantes ao atraso no desenvolvimento de habilidades motoras, da saúde mental e depressão, à reversão da paridade de gênero.

Todos esses obstáculos podem levar a atrasos cognitivos e desenvolvimento social e emocional. Além disso, os mais pobres são muito mais vulneráveis aos choques econômicos e de saúde na pandemia.

E quando focamos nas crianças a preocupação aumenta, pois, os primeiros anos de uma criança são essenciais para determinar os resultados na vida adulta. A adição de aprendizagem formal se torna vital no final da infância e adolescência para determinar os resultados da vida na fase adulta.

Ainda existe para os despossuídos condições de vida limitadas, violência doméstica, redução de alimentos – aportes nutricionais – comprometimento do bem-estar físico e mental. Interação social e comunitária restrita são outros fatores que culminam na exclusão social.

Cada dia que passa, a pandemia da Covid-19 – a “pandemia da desigualdade” – prejudica ainda mais as chances da melhoria da qualidade de vida dos mais jovens e principalmente da população de baixa renda, comprometendo as perspectivas de um crescimento inclusivo e sustentado de desenvolvimento social, econômico e ambiental.

Se faz extremamente necessária e urgente uma ação política forte e robusta baseadas em dois elementos principais: programas e infraestrutura diretamente relacionados à educação, ao saneamento básico e ambiental, incluindo programas de transferência de dinheiro; bem como ações de sensibilização, mobilização e capacitação social que possibilitem o enfrentamento dessa questão.

É importante salientar que o município de Cuiabá está revendo seu Plano Diretor, que é o mecanismo legal que expressa o projeto do município que queremos. E suas diretrizes de ações visam promover o desenvolvimento sustentável, a melhoria da qualidade de vida da população e o bem-estar de toda a comunidade. Ele se transforma em lei máxima de um município.

A pergunta que não quer se calar é: existem diretrizes nele contidas para a recuperação social, econômica e ambiental pós pandemia da Covid-19, que incluem a melhoria da qualidade de vida da população de toda a comunidade?

A pandemia é um dos mais graves desafios que Mato Grosso já enfrentou, com custo elevadíssimo em termos de vidas humanas. Com esse alto custo e a profunda crise da saúde, o estado irá testemunhar um impacto severo na qualidade de vida de grande parte da população, principalmente de baixa renda, ao longo dos anos que virão.

A crise gerada pela pandemia interage com a heterogeneidade na capacidade de geração de renda, condições de trabalho, acesso a serviços públicos e muitos outros aspectos que tornam alguns indivíduos e famílias particularmente vulneráveis.

Dentre eles podemos destacar: pessoas nos mercados informais, pequenos e microempresários, mulheres em condições precárias de trabalho, grupos historicamente excluídos, como indígenas e negros. Estes citados deveriam estar no centro da resposta política, mas até o momento não estão.

O que vemos na mídia são notícias sobre “corrida eleitoral” citando nomes de possíveis candidatos de vários partidos, mas, esses candidatos não apresentam propostas factíveis para solucionar a “invisibilidade dos despossuídos” neste momento tão crucial.

São verdadeiros políticos alienados das questões sociais, econômicas e ambientais que envolvem a questão. Qual o projeto político deles para “pós pandemia”? O ex-governador dos EUA, Ben Bernanke, lembra em seu livro “The Courage to Act”, que durante as crises, as pessoas são distinguidas por aqueles que agem e aqueles que temem agir.

O que percebo é que grande parte das nossas lideranças políticas temem agir, quando o momento pede justamente o contrário. O desafio lançado para aqueles que possuem capital político e financeiro é este: em vez de preparar o terreno para um cemitério em massa, construa as bases e invista em infraestrutura social, saneamento básico e ambiental.

Invista na educação, em todos os seus dois níveis: a educação básica (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) e no segundo nível (ensino superior). Por meio da educação, é possível formar cidadãos conscientes, críticos e capacitados para viver em sociedade. Pessoas que se sentem preparadas para encarar os desafios cotidianos em todas as áreas, inclusive em pandemias.

Como arquiteto e urbanista, tenho que salientar que o processo de planejamento e sua transformação acontecem no momento em que a sociedade, ao olhar de forma crítica para os aspectos que influenciam sua qualidade de vida, refletindo sobre todos esses fatores relevantes. Há que se buscar modificá-los de forma a incluir principalmente aqueles que não tem voz, nem vez.

Importante salientar que o próximo ano é um ano eleitoral e precisamos votar naqueles que se distinguem do restante dos “politiqueiros”, que só trabalham em causa própria e, desta forma, a favor da necrópole da Covid-19.

A pandemia sem dúvida é uma oportunidade para distinguir aqueles que efetivamente agem em prol da sociedade, democratizando as decisões para transformar o planejamento da ação em trabalho compartilhado entre os cidadãos. Você tem feito esse exercício de observação crítica da realidade atual?

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