O vocábulo advogado deriva da expressão em latim "ad vocatus", que significa "o que foi chamado". No Direito romano designava a terceira pessoa que o litigante chamava perante o juízo para falar a seu favor ou defender seu interesse.
Historicamente as mazelas do sistema jurídico começaram a ser demonstradas com vigor no século das luzes, ocasião marcada pelo surgimento de uma obra minúscula em número de páginas, porém, incomensurável em seu conteúdo humano, denominada: Dos Delitos e das Penas, do italiano de mente extraordinária, Cèsare Beccaria. Com a sua notável genialidade, ele traça uma linha paralela entre o Cirineu Simão, que auxiliou Jesus a carregar a cruz na via dolorosa e o advogado. Lembra-nos, portanto, da Paixão de Jesus no percurso da Via Sacra (condenação indevida, calvário e sepulcro).
Comparamos o martírio de Cristo com as dores físicas e morais das pessoas presas, condenadas e também das vítimas de delitos de hoje, ante o não reconhecimento dos Direitos Humanos em alguns processos criminais, com total desrespeito aos instrumentos constitucionais e comparemos também com o sofrimento daqueles em causas cíveis, tributárias ou trabalhistas, entre outras, que vão à busca do amparo jurisdicional e assistem impotentes suas lides arrastarem-se longos lustros ou décadas em processos modorrentos nos Tribunais.
Um advogado é um profissional liberal, bacharel em Direito e autorizado pelas instituições competentes de cada país a exercer o ‘jus postulandi", ou seja, a representação dos legítimos interesses das pessoas físicas ou jurídicas em juízo ou fora dele, quer entre si, quer ante o Estado. Não se pode dissociar a figura do patrono das causas jurídicas da realização da Justiça. É o Ad Vocatus, que é chamado para falar em nome do litigante, um instrumento de Justiça.
Aqueles que se prestam a perpetrar a injustiça não são advogados, mas arremedos, simulacros, mercenários. Então, por Deus, o que é justiça da qual o advogado é instrumento? Em um trecho da obra de Kelsen, Que es La Justicia? (Ariel, Barcelona, 1991) aborda o tema dizendo o seguinte: "nenhuma outra questão tem sido tão apaixonantemente debatida, nenhuma outra questão tem derramado tanto sangue e tantas lágrimas, nenhuma outra questão tem sido objeto de tanta reflexão para os pensadores ilustres, de Platão a Kant. E, sem embargo, a pergunta segue sem resposta. Parece ser uma dessas questões que a sabedoria tem se resignado a não poder responder de modo definitivo e que só podem ser permanentemente propostas para serem debatidas.
E continuamos clamando por Justiça mesmo sem poder definí-la. No sentir de Cândido Furtado Maia Neto, o sistema penal gera a reincidência, não ressocializa os condenados, também não presta atenção às vítimas de crime. Enfim, não previne e muito menos reprime a delinquência. É por isso, por muitos chamado de um sistema utópico, ilógico, irracional e eminentemente injusto.
Nunca Beccaria foi tão atual. O acusado é vítima do sistema e a vítima é vítima duas vezes, processos de criminalização e de vitimização, autor e réu aguardam indefinidamente a solução de seus litígios e imploram a decisão não importa se positiva ou negativa, mas uma decisão, ambos os protagonistas são esquecidos e desconsiderados como pessoa. O discurso penal e processual penal, como o processual civil, tributário e trabalhista, por sua demagogia pública é uma grande aberração. Nunca os advogados foram tão necessários.
Cidadãos ora réus e ora vítimas, ora autores, ora demandados, na mesma via crucis, caminhando entre condenações anunciadas e notórios processos fabricados por interesses escusos, nulos, viciados e flagrantemente injustos e ao lado de seus clientes, os advogados, cirineus, com pesadas cruzes em busca de que se faça justiça, ainda que não possamos responder o que é Justiça.
Talvez ela esteja apenas nos corações dos homens e por enquanto não possa de lá ser extraída, para não ser mais maculada, uma vez versada em conceitos para figurar nas páginas frias das enciclopédias da conturbada humanidade e longe da prática de boa parte dos homens. Mas, a certeza é que um dia isso vai mudar e nós, os advogados, faremos parte desta história.
Maurício Ribas é advogado