Submetido a jornadas de até 15 horas e com apenas três dias de folga a cada 60 trabalhados, um motorista comprovou que o serviço imposto pela empresa comprometeu seu convívio familiar, lazer e vida social. Diante dessas condições, a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT/MT) condenou a empregadora ao pagamento de indenização no valor de R$ 5 mil.
A decisão reformou parcialmente sentença da Vara do Trabalho de Primavera do Leste, que havia negado o pedido de indenização por dano moral. No recurso, o trabalhador reiterou que as condições de trabalho ultrapassavam o limite físico e psicológico aceitável, especialmente pela impossibilidade de retornar à residência por semanas seguidas.
Ao analisar o caso no Tribunal, a relatora, desembargadora Eliney Veloso, destacou que a questão analisada consistiu em verificar se o empregado teve violados seus direitos fundamentais em razão das condições de trabalho e que para a caracterização do dano existencial, é imprescindível que o trabalhador comprove prejuízo concreto à sua vida social.
A prova oral confirmou que os motoristas transportavam milho e bagaço de grãos para uma indústria de biocombustível e que permaneciam longos períodos sem retorno para casa. Uma testemunha relatou que o trabalhador prestava serviço “de domingo a domingo, só descansando nos dias em que o veículo ia para a manutenção, bem como que a alimentação era feita na estrada, quando paravam o veículo por cerca de 10 a 15 minutos”.
A relatora concluiu que ficou comprovada a violação da dignidade do trabalhador. “Trata-se de circunstância que inequivocamente priva o trabalhador do contato com a família, do lazer e do efetivo descanso, que não pode ser realizado em cabines de caminhão por longos períodos”. O voto foi seguido por unanimidade.
A Turma também analisou a jornada de trabalho do motorista. A empresa não apresentou controles de ponto e descumpriu seu dever de apresentar os registros de jornada, como determina a Súmula 338 do TST. Com base nos depoimentos, o Tribunal manteve a condenação ao pagamento de horas extras e afastou a limitação imposta na sentença, que restringia o pagamento a apenas duas horas extraordinárias por dia.
O TRT manteve ainda o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho. A empresa tentou reverter o entendimento alegando abandono de emprego, mas a Turma afastou essa tese.
Embora a ação trabalhista foi ajuizada em 20 de março de 2024, ficou comprovado que o motorista permaneceu trabalhando até 10 de maio do mesmo ano, sendo certo que, “o ajuizamento de ação trabalhista postulando a rescisão indireta obsta a configuração do abandono de emprego, pois este pressupõe, além da ausência ao trabalho, o animus abandonandi”, afirmou a relatora.
A 1ª Turma concluiu que houve falta grave da empregadora em razão da jornada excessiva, violando o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Com a manutenção da rescisão indireta, a empresa foi condenada ao pagamento de verbas rescisórias como saldo de salário, aviso prévio, férias com terço, 13º salário, FGTS com multa de 40 por cento e liberação do seguro-desemprego, além da multa por atraso na quitação das verbas rescisórias do contrato.
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