A juíza da 9a Vara Cível da Capital, Gleide Bispo Santos, julgou improcedentes os pedidos da Ação de Reparação de Danos e Indenização por Responsabilidade pela Ineficácia do Produto interposta por produtores rurais contra a BAYER Cropscience, com base no artigo 269, inciso I do Código de Processo Civil. Eles alegaram que os produtos utilizados no combate à ferrugem asiática da soja foram ineficazes e, por essa razão, teriam provocado a quebra em parte da safra 2003/2004. A decisão foi nesta terça-feira (15/05) em Cuiabá (Processo no 147/04).
Quatro produtores de uma mesma família ingressaram com a Ação contra a BAYER. Eles informaram que são proprietários e arrendatários de 11.439,04 hectares de terras destinadas à produção de soja e compraram da empresa os fungicidas Stratego e Folicur, dentre outros. Nos autos os produtores rurais informaram que os produtos foram aplicados de forma correta e nos termos indicados pela vendedora no combate à praga.
De acordo com eles, os produtos foram ineficazes, ocasionando a perda parcial da safra em todas as fazendas. O prejuízo, calculado em 186.740 sacas de soja, corresponderia a 29,74% da área plantada. Foi estimado um preço médio da saca em R$ 54,00. O prejuízo material indicado pelos requerentes foi de R$ 10.083.960,00. Os produtores também pleitearam lucros cessantes porque deixaram de vender as sacas de soja, além da indenização pelo dano moral e à imagem sofridos, cujo valor da reparação seria de R$ 20.167.920,00. Ao final o valor total solicitado pelos produtores chegou a R$ 40.335.840,00. Eles solicitaram a inversão do ônus da prova sob a argumentação de que havia uma relação de consumo e a Empresa é quem deveria provar a eficácia dos fungicidas.
A BAYER Cropscience defendeu-se informando que seus produtos são eficazes, recomendados pela Embrapa e que os autores são grandes agricultores, tendo a responsabilidade pelo monitoramento da lavoura e aplicação correta dos fungicidas. Ela afirmou que os produtos foram aplicados tardiamente contrariando as recomendações de uso.
A requerida alegou também a ilegitimidade dos autores porque os nomes deles não constavam nas notas fiscais de compra dos produtos. No mérito, sustentou a inexistência de relação de consumo. A empresa também contestou os pedidos de danos emergentes e lucros cessantes por terem sido pedidos de forma equivocada e incorreta, além de negar a ocorrência do dano moral.
A juíza Gleide Santos, em sua decisão, justificou o indeferimento em desfavor dos produtores rurais pela carência de provas no processo. O nome que consta nas notas fiscais de compra dos fungicidas é de uma pessoa que não faz parte da ação. Nenhuma testemunha foi levada em juízo para confirmar que dois dos quatro agricultores que entraram com o processo receberam, a título de empréstimo ou doação, parte dos fungicidas ditos ineficazes. Por essas razões, a magistrada acolheu a preliminar de ilegitimidade contra dois autores da ação e desconsiderou a relação de consumo, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em decisões semelhantes em outros estados. “Dessa forma, sendo inaplicável o Código de Defesa do Consumidor ao caso em comento, não há que se falar em inversão do ônus da prova”, afirmou.
Outra questão que provocou o indeferimento foi a apresentação de um laudo pericial efetuado pela empresa Fértil Assessoria e Consultoria Agronômica para comprovar a perda da safra pela ferrugem asiática e um laudo contábil que estimou o prejuízo total pleiteado na ação. A juíza explicou que as provas juntadas foram produzidas de forma unilateral, sem o crivo do contraditório. “Se pretendiam os autores evitar o perecimento das provas deveriam ter se utilizado da medida cautelar de antecipação de provas, oportunizando à requerida a participação e o pleno exercício do contraditório, contudo não o fizeram, preferiram produzir as provas, repito de forma unilateral”, explicou a magistrada desconsiderando os laudos.
Ela solicitou informações por meio de laudos oficiais junto a Embrapa e a Fundação Mato Grosso em relação a eficácia dos produtos e afirmou na decisão que “em resposta aos quesitos apresentados pelas partes, a Embrapa Soja Londrina considera o produto Stratego como preventivo, aduzindo que este deve ser usado antes do aparecimento da doença. Já o fungicida Folicur tem caráter preventivo e curativo e deve ser aplicado no início dos primeiros sintomas da doença, daí a importância do monitoramento da lavoura”. A magistrada notou que, apesar da gravidade da praga, os agricultores não contrataram engenheiro agrônomo para orientá-los, desautorizaram o profissional que atuava nas fazendas a tratar da ferrugem asiática e também não apresentaram documentação para comprovar os prejuízos nas lavouras, como declarações de imposto de renda e livros contábeis.
“Diante dos elementos constantes dos autos, inarredável concluir que os autores foram vítimas de sua própria negligência, pois, mesmo sabendo que a doença ‘ferrugem asiática’ apareceria na safra de 2003/2004 e que esta tinha alto poder destrutivo, preferiram deixar a doença aparecer e se alastrar para aplicarem o produto Stratego que deveria ter sido aplicado por duas vezes de forma preventiva, tudo isto para não despender de recursos financeiros com a aplicação de fungicidas”, afirmou a doutora Gleide.
Ela considerou que a perda de parte da safra, faz parte do risco do negócio, principalmente em se tratando de agricultura. E por isso, não há que se falar em dano moral e à imagem. Os produtores rurais foram condenados a pagar os honorários advocatícios, fixados, com base na complexidade da matéria, em R$ 15.000,00.
A “ferrugem asiática”
A juíza Gleide Santos trouxe nos autos um pouco da história da praga no mundo. A ferrugem asiática foi constatada pela primeira vez em plantio de soja no oriente no ano de 1900 e, devido ao clima frio, não foi tão agressiva e não causou grandes prejuízos.
No fim do século a doença saiu do oriente para o continente africano (1998). Chegou ao Paraguai em 2000 e passou para o Brasil em 2001, sendo constatado o primeiro foco no Paraná, de onde passou para Mato Grosso do Sul e Mato Grosso no fim da safra de 2002. Mas, nessa safra, a quebra não foi de muita importância.
Com o aparecimento da ferrugem asiática no Brasil em 2001/2002 começaram as pesquisas no combate à praga, que nos outros continentes não era tão agressiva. A ferrugem asiática tem mais força em regiões quentes e úmidas como em Mato Grosso. E, por causa das condições climáticas, foi desenvolvida uma ‘espécie’ da doença muito mais agressiva.
Na safra de soja de 2003/2004 os produtores estavam diante de uma doença nova, agressiva, com alto poder destrutivo e não havia ainda muitas pesquisas e fungicidas testados para o combate.
De acordo com a magistrada existem 46 ações contra a Bayer Cropscience no Brasil referentes aos produtos Stratego e Folicur. São ações consideradas por ela como polêmicas, mas neste caso específico a dra. Gleide explicou que houve questões técnicas que deixaram de ser apresentadas pelos produtores, que agora terão de comprovar a ineficácia dos produtos. A ação cabe recurso.