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ONG denuncia “leilão” de travestis em penitenciária de MT

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Travestis são leiloados em troca de cigarro, drogas e alimentação dentro do sistema prisional de Mato Grosso. Usados como “moeda” entre os presos, são obrigados a manter relações sexuais sob pena de sofrer agressões e até mesmo serem executados. A denúncia, feita pela Organização Não- Governamental (ONG) LivreMente, aponta que os estupros ocorrem frequentemente na Penitenciária Central do Estado (PCE), o maior presídio de Mato Grosso. Outros casos foram registrados no centro de Ressocialização de Cuiabá (CRC), onde os leilões eram organizados por presos que ocupam a ala evangélica da unidade. Segundo a ONG, o fato se repete em todo o Brasil.

De acordo com o presidente, Clóvis Arantes, a violência contra os travestis começa na entrada da unidade prisional, quando são obrigados a raspar a cabeça e abandonar o nome social, adotado, além de utilizar roupas masculinas. “É uma violência simbólica exigida pelos detentos que irão conviver com os travestis e ocorre principalmente onde existem as organizações evangélicas”. Por conta da vulnerabilidade, os travestis acabam confinados nas alas dos evangélicos, uma forma de a direção da unidade garantir o mínimo de dignidade e segurança quanto à integridade física dos detentos homossexuais.

Porém, aqueles que não aceitam a imposição de reprimir a homossexualidade e decidem manter sua orientação sexual, passam a ser considerados aptos a serem estuprados por outros presos. No CRC, detentos da ala dos evangélicos eram responsáveis pelas negociações, aponta Arantes. Já na PCE, por exemplo, são colocados em raios comuns e nem mesmo quando reprimem sua homossexualidade escapam de abusos sexuais. “Mesmo na ala evangélica existem presos que fazem sexo e o líder ou chefe acaba levando vantagem”. Os travestis “leiloados” não possuem outra escolha senão aceitarem o sexo. Caso contrário, são espancados e até mesmo mortos. Por medo de represálias, não denunciam as ocorrências para a direção das unidades, mas alguns deles encaminham as reclamações para as organizações de defesa de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT).

As denúncias feitas às ONGs são repassadas para a Secretaria Nacional de Direitos Humanos (SDH), órgão vinculado à Presidência da República e os relatos que chegam são estarrecedores. Há casos de travestis estuprados por diversos presos durante rebelião, outros que são “comprados” e passam a ser escravos sexuais de um detento e de outros a quem ele oferecer e aqueles que, além do sexo, passam a realizar a limpeza das celas e dos banheiros. “É a lei do mais forte”, resume Arantes. “Eles falam que a gente só serve para isso mesmo. Lavar, passar e satisfazer quem gosta”, diz um travesti em um dos relatos encaminhados para a SDH. Não existe, dentro do sistema prisional brasileiro, nenhum lugar onde os travestis são aceitos. Diante desse quadro, são obrigados, conforme o presidente da ONG LivreMente, a conviverem com uma rotina de medo.

O resultado de tamanha violência é a ocorrência cada vez maior de travestis que passam a ter problemas psicológicos, baixa auto estima e, o principal, que não são ressocializados, missão principal do sistema prisional. “Imagine a situação, eles perdem os cabelos, o nome social, são obrigados a se vestir como homens e reprimir violentamente sua personalidade”. Embora negue a existência de qualquer registro de leilões de travestis, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Mato Grosso (Sejudh/MT) reconhece a existência de casos de violência contra gays, lésbicas e travestis no sistema prisional, reprodução de uma sociedade ainda homofóbica.

Como uma das tentativas para mudar a situação, a pasta, por meio do Centro de Referência em Políticas Públicas e Direitos Humanos iniciou o projeto “Resgatando a Dignidade” que visa principalmente combater a violência e as violações contra a população LGBT dentro do sistema prisional. Dentre outras iniciativas, o principal ponto foi a criação de uma ala específica para travestis e gays dentro do CRC. Nela, além de voltarem a utilizar roupas femininas e o nome social, os reeducandos têm acesso a outros serviços oferecidos, como a Educação de Jovens e Adultos (EJA), oficinas profissionalizantes, de artesanato, além do acompanhamento de psicólogos e assistentes sociais. Mato Grosso é o segundo Estado a criar uma ala e será o primeiro a normatizar o atendimento à comunidade carcerária LGBT.

A coordenadora do Centro, Cláudia Cristina Ferreira Carvalho, explica que a intenção do projeto não é oferecer privilégios aos reeducandos homossexuais, mas assegurar o respeito às liberdades individuais que são garantidas aos presos. Lembra que com o projeto o sistema prisional passa a ter mais chance de êxito no processo de ressocialização dos homossexuais, uma vez que o acompanhamento continua após o fim da vida atrás das grades. O Resgatado a Dignidade foi iniciado no final de 2010, mas a ala só foi instituída há pouco tempo. O Centro realizou um estudo de caso e um levantamento da população assumidamente homossexual dentro do CRC e da PCE. Na época do estudo a população era estimada em 30 travestis. A partir daí, houve o remanejamento de todos eles para esta ala restrita. “Estive no local há poucos dias e pude ver um ambiente melhor. Eles estavam mais tranquilos e seguros”, reconhece Arantes, que acredita serem necessárias outras medidas para a erradicação do problema.
Além das violências física e simbólica, o Centro identificou graves casos de coerção ideológica das Instituições Religiosas direcionada a homossexualidade e a impossibilidade de expressão do livre direito da identidade de gênero, caso dos travestis, e da orientação sexual. “Sem a resolução destes conflitos, o processo de ressocialização simplesmente não acontecia”, destaca Cláudia.

O terceiro passo do projeto é a conscientização dos agentes prisionais para que aceitem a população carcerária LGBT, ponto que, para o presidente da ONG LivreMente, precisa ser atacado urgentemente. “Já realizamos oficinas, palestras, enfim, um trabalho de mobilização destes servidores para quebrarmos também este paradigma”, ressalta a coordenadora do Centro. A intenção dela é expandir o projeto para todas as unidades prisionais de Mato Grosso.

Cura da homossexualidade – Além das questões de violência nas ruas e no sistema prisional, Arantes luta pela rejeição do Projeto de Lei que quer regulamentar os procedimentos de “cura”, adotados por alguns psicólogos, da homossexualidade. Para ele, a aprovação da Lei, combatida pelos grupos LGBT e os Conselhos de Psicologia, marcaria o retorno ao período da inquisição. “Isso mostra o quanto temos que avançar, dentro e fora das cadeias”.

 

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