O conselho seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso aprovou, em sessão ordinária, notificação recomendatória ao governador Blairo Maggi e também ao procurador-geral do Estado, para que a Secretaria de Justiça e Segurança Pública evite normatizar a participação efetiva da Polícia Militar na elaboração e confecção de termo circunstanciado. Esse ato é de competência dos delegados de polícia. A medida, se tomada, segundo o relator do processo, conselheiro Pedro Verão, representará “flagrante desvio de finalidade”. Inicialmente, a medida havia sido rechaçada na Comissão de Direito Penal e Processo Penal da OAB.
O termo circunstanciado é um registro de um fato tipificado como infração de menor potencial ofensivo, ou seja, os crimes de menor relevância, que tenham a pena máxima culminada em até dois anos de cerceamento de liberdade ou multa. O registro deve conter a qualificação dos envolvidos e o relato do fato, quando lavrado por autoridade policial, nada mais é do que um boletim de ocorrência, com algumas informações adicionais, servindo de peça informativa.
A possibilidade de a Polícia Militar passar a cuidar da lavratura foi estabelecida pela portaria 146/2008, publicada no Diário Oficial do Estado. Pelo ato, é instituída uma comissão visando “normatizar e padronizar” os atos da PM na elaboração da ocorrência. “Até o momento, esse ato não foi consumado, mas, podemos dizer, de ante-mão, que ele está eivado de falhas se vier a ocorrer” – frisou o relator da recomendação.
Verão destacou que o poder administrativo concedido à autoridade pública tem limites certos e forma legal de utilização. “Não é carta branca para o arbítrio, violência, perseguições ou favoritismos governamentais. Qualquer ato de autoridade, para ser irrepreensível deve conformar-se com a lei, com a moral da instituição e com o interesse público” – frisou o conselheiro, ao destacar que a portaria criando a comissão traz uma “roupagem da conveniência e oportunidade”, mas que poderá criar um ato imperfeito.
O conselheiro da OAB destacou ainda, na aprovação da medida recomendatória, que a Constituição Federal, artigo 144, estabelece atribuições para as policias civis e militares. Verão destacou que o constituinte foi claro ao traçar o papel de cada um dos órgãos de segurança pública, de modo que as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais ficam a cargo das policias civil e federal, ao passo em que a polícia ostensiva e a preservação da ordem ficou a cargo das policias militares. Ele também destacou detalhes da Lei 9.099/95 que trata da definição de autoridade policial para fins judiciais.
Há inúmeras situações que impedem, na avaliação do conselho seccional da OAB, além do aspecto legal, mudar as atribuições sobre o TC. Ele questionou, por exemplo como seria requisitar as perícias nos crimes de menos potencial ofensivo. Pelo Código de Processo Penal, somente a autoridade policial ou judicial é que podem requisitar as periciais necessárias ao descobrimento da verdade real. Verão citou ainda complicações em questões relacionadas a fiança, seguindo aspectos dos Juizados Especiais Criminais. “Isso poderia fazer com que qualquer policial possa ser autoridade policial” – salientou.
O entendimento não é isolado. No seu relatório, o conselho da OAB destacou que o próprio Supremo Tribunal Federal, em julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, já tratou do assunto. O STF entendeu que policiais militares e civis têm atividades específicas que não podem ser confundidas, sob pena de afronta ao artigo 144 da Constituição Federal.