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Mato Grosso se torna grande consumidor de droga

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Cocaína em abundância a preços baixos transformaram Mato Grosso em um grande consumidor de droga, além, é claro, de corredor para passagem do produto para o resto do mundo, principalmente a Europa. Na visão do promotor Marcelo Ferra de Carvalho, que atua na Vara de Repressão à Entorpecentes em Cuiabá, a massificação do tráfico também tem sido um grande obstáculo para contê-lo. Diz que hoje a venda de drogas não se resume aos guetos ou as conhecidas “bocas-de-fumo”, hoje ela é feita livremente, inclusive pelo sistema de disque-entregas, por mototaxistas. A figura do traficante assediando crianças e adolescentes nas portas das escolas também não existe mais, já que alunos das unidades de ensino, que são usuários, já disputam o espaço dentro das unidades de ensino para levar a droga aos colegas.

O fácil acesso pela fronteira boliviana da pasta-base de cocaína reduz o custo para R$ 8 mil na Baixada Cuiabana, enquanto no sudeste chega a R$ 15 mil o quilo. Tanto que um papelote pode ser obtido no sistema “delivery” (entrega na porta), por R$ 5. Com isso, as drogas mais baratas como o crack – bastante consumidas em outros estados – aqui em Cuiabá praticamente não é apreendida, explica o delegado Marcelo Filisbino Martins, titular da Delegacia de Repressão à Entorpecentes (DRE). A delegacia foi reativada em dezembro e tem como foco principal combater o tráfico que abastece as pequenas bocas-de-fumo.

Segundo Martins, são mais de 200 “bocas” mapeadas só na Capital. Mas segundo ele, o objetivo da delegacia não se restringe a operações rápidas que apenas fechem os locais de revenda, pois outra pessoa, na mesma região ou até da família do que foi preso retoma o negócio rapidamente. A meta é, por meio de investigações que podem se estender por meses, desarticular quadrilhas que são responsáveis por abastecer as bocas-de-fumo. Não seriam os grandes traficantes (investigados pela Polícia Federal), mas o delegado compara estes grupos aos de “classe média”, em relação ao mercado do tráfico internacional e que abastecem o tráfico do pequeno varejo.

Cita como exemplo a operação “Alto Volume”, desencadeada pelo grupo formado pela DRE antes mesmo de ela ser instalada e que resultou na prisão de 25 pessoas e demandou mais de 6 meses de investigações. A quadrilha tinha conexão com a distribuição da droga, inclusive no Espírito Santo. Dois policiais, uma civil e um militar faziam parte do grupo e ainda estão presos.

Mas a presença cada vez mais ostensiva de usuários de drogas nas ruas e do crescimento dos pontos de comercialização tem inquietado a sociedade, admite o titular da DRE. Cita o caso da rua 4 de Janeiro, no Jardim Leblon, onde tanto de dia como a noite se constata a presença de usuários de drogas, perambulando pelo local. O delegado admite que realmente a maioria é de pessoas moradoras de rua, que perderam vínculos com a família e que traficam em troca das porções diárias de drogas. Mas vê este caso mais como de saúde pública, pois a prioridade seria oferecer um local para que pudessem tratar a dependência química.

O fato é que a vigilância nos 750 km de faixa de fronteira seca e 233 km de terras alagadas ainda é reduzida o que sempre fez de Mato Grosso um conhecido corredor usado por traficantes, que já optam por rotas fluviais para driblar a fiscalização. Um recente relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU) aponta como preocupante o aumento de produção de cocaína na Colômbia, Peru e Bolívia. Segundo o relatório da ONU, a área plantada com coca aumentou 16% em 2007, comparado ao ano anterior. O total chegou a 181,6 mil hectares, uma área superior à da cidade de São Paulo. Os três países andinos são responsáveis, segundo o documento, por praticamente 100% da cocaína produzida no mundo, chegando a 994 toneladas. Só a Colômbia responde por 600 toneladas, seguida pelo Peru, com 290 toneladas, e a Bolívia, 104 toneladas.

Na opinião do médico Marcelo Sandrin, que é clínico geral e atua em um programa de palestras preventivas na área de saúde, o estado, em todas as suas esferas é omisso em relação ao grande universo de dependentes químicos que crescem. Segundo ele, a família se cala, tenta esconder o problema da dependência química e o estado ignora, não promovendo políticas na área de saúde para atender estes pacientes que hoje não dispõem de vagas nem na rede pública, nem na privada.

É lamentável que isso ocorra, na opinião do médico, pois as estatísticas mostram cada vez mais a estreita ligação do álcool e das drogas com a violência. “Sabemos que 100% dos crimes bárbaros são praticados por pessoas sobre o efeito de drogas ou álcool e 80% dos demais crimes estão ligados ao tráfico”, diz Sandrin.

Com isso, a dependência química já deixou há muito tempo de ser um problema exclusivamente de tribunais e ganhou uma dimensão de maior impacto na saúde pública. Na opinião de profissionais da área da saúde e do direito, um dos aspectos legais que precisam ser revistos é sobre o consumidor da droga que com certeza é o principal fomentador do tráfico em todo o mundo e tem sido tratado de forma “paternalista” pela lei brasileira. Segundo o promotor Marcelo Ferra, o que se verifica é que agentes do direito (delegados, promotores e juízes), que foram atingidos em suas famílias pelo problema da droga adotam uma postura menos tolerante, tanto em relação aos traficantes quanto os próprios usuários.

O médico Marcelo Sandrin, também diz que a proteção da família e a falta de atuação mais dura do estado contribui para que muitos jovens morram ou de overdose ou ainda pela violência que faz parte do mundo de quem entra para as drogas. Para ele, o dependente químico deveria receber do estado a opção de ter um tratamento. Caso se negasse, a prisão seria a alternativa mais segura, tanto para ele como para a sociedade em que convive.

Diariamente acabam nas delegacias os dramas de pais que sofrem em decorrência da dependência química dos filhos. Na delegacia do Parque do Lago, em Várzea Grande, um trabalhador braçal, com 63 anos, praticamente implorava ao delegado para que mantivesse o filho de 35 anos preso. Ameaçado de morte por ele, usuário de cocaína, o pai temia ser morto. Cansado das agressões, denunciou o filho que havia furtado dele R$ 100 para comprar a droga. Como não cabia legalmente a prisão, o pai decidiu fazer um empréstimo em uma financeira, para comprar a passagem do filho para que ele mudasse para Rondônia, onde mora um primo. O pai praticamente implorava que o delegado providenciasse uma escolta até a rodoviária para ter certeza de que o filho partiria no ônibus.

Já, a empresária bem sucedida enfrenta a dependência química do filho de 21 anos, universitário, que por ter posses é assediado por traficantes. O desespero da mãe fez com que fosse até uma das bocas-de-fumo que o filho frequentava para ameaçar os vendedores da droga e mandar que se afastassem dele. Cansada de ver o filho se matando lentamente, procurou uma clínica no interior se São Paulo. Uma equipe veio até Cuiabá e contra vontade do jovem o levou sedado para tratamento fora de Mato Grosso, a um custo altíssimo. A idéia dela é mudar daqui, vender as empresas, já que sabe que se o filho voltar para cá voltará a ser assediado pelos traficantes, enquanto não vender tudo o que tem para comprar a droga.

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